Dom Jaime Vieira Rocha
Arcebispo de Natal (RN)
“Não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?” (Lc 17,17s).
No Evangelho do próximo domingo, o 28º do Tempo Comum, do capítulo 17 do Evangelho de São Lucas (Lc 17,11-19), Jesus faz uma indagação a respeito dos dez leprosos que foram curados por ele, questionando sobre o fato de que somente um voltou para agradecer e ainda, este sendo estrangeiro. É significativo que após esse fato, o samaritano que volta para Jesus com gratidão pela cura, receba essa afirmação de Jesus, característica de muitos dos milagres realizados por Ele: “tua fé te salvou”. Em cada relato de curas, feitas por Jesus, acompanhadas dessa afirmação, podemos ver os muitos sentidos da fé ou muitas de suas características. Nesse episódio, marcado por sinais que nos fazem refletir, tais como, a situação dos leprosos no tempo de Jesus – eles não tocam em Jesus nem se diz que Jesus tocou neles – e essa é uma das proibições impostas pela sociedade de seu tempo, para evitar a contaminação -, por isso “à distância”, eles gritam para Jesus, reconhecendo que Ele tem piedade e compaixão, e manifestam o desejo de serem curados; eles se juntam em dez, certamente para terem mais força de poder chegar até próximo por onde Jesus passava; o cumprimento da Lei mosaica que impunha aos leprosos viverem fora do acampamento e irem até os sacerdotes para que estes examinassem, opinassem e dessem permissão para a reincorporação plena à sociedade, em caso de cura (cf. Lv 13,45-46; 14,2). Porém, o fato mais importante desse relato é o retorno de um dos dez para agradecer a Jesus. O termo grego para “dar graças”, usado por Lucas, para ressaltar a atitude do samaritano curado é “Euchariston”, o mesmo relacionado com o que Jesus realiza na última ceia.
Eis o grande ensinamento desse relato: a fé é sempre acompanhada da gratidão, da ação de graças. “A gratidão a Jesus pela salvação é componente essencial da vida cristã” (Luís Alonso Schökel). Necessitamos, portanto, fazer de nossa fé uma realidade “eucaristizada”, isto é, sermos agradecidos e com isso, tornarmos a vida de nossos irmãos e irmãs agraciada. Na verdade, não foi isso que Jesus fez quando curou e, sobretudo, quando nos fez participantes de sua graça, celebrada na última ceia e, para nós, atualizada e interiorizada em cada Eucaristia que participamos?
Outro ponto a ser destacado diz respeito a como tratamos os irmãos e irmãs diante de suas fragilidades. Jesus não se distancia dos leprosos quando eles se aproximaram. Mesmo ficando à distância, eles são vistos por Jesus: “ao vê-los…”. Esta é a atitude do Mestre e Ele espera que nós também tenhamos a mesma atitude. Certamente, é preciso coragem para isso. Mas, tendo a experiência de que somos todos “impuros”, isto é, pecadores, e ainda, que Cristo é aquele que sempre “caminha” pelas estradas de nossa vida, temos a força, não somente de gritar para Ele que tenha piedade de nós, mas a delicadeza do discípulo que imita o Mestre, para nós também termos piedade dos irmãos e irmãs. Essa é uma atitude indispensável para viver o discipulado. Cristo não teve preconceito nem fugiu ou ficou indiferente diante do sofrimento daqueles dez leprosos. Mas, cheio de compaixão os curou.
Ainda, mais um ponto que chama a atenção. Mesmo que apenas um volte para agradecer, e Jesus ressalta que é um estrangeiro (o Papa Francisco sempre nos recorda que somos todos estrangeiros e não sentido a xenofobia), o relato evangélico não afirma que os outros nove não deixaram de ser curados. Isso significa que Deus está sempre agindo com misericórdia e sua ação não volta atrás. O dom de Deus Ele não toma de volta. Mas, é sempre benéfico para nós que reconheçamos a sua bondade, pois, com esse reconhecimento vem a gratidão e a decisão de agir sempre “eucaristicamente, isto é, com confiança de que o Senhor nunca desiste de manifestar sua graça e seu amor para conosco.
