Cardeal Sergio da Rocha
Arcebispo de Salvador (BA)
O relacionamento entre fé e razão tem recebido diversas interpretações e acentuações ao longo da história. O tema reveste-se de especial importância em nosso tempo, marcado por transformações rápidas e profundas que atingem o nosso modo de ver o conhecimento humano e de vivenciar a experiência religiosa. Neste tempo de pandemia, marcado por polarizações e radicalismos, o diálogo entre fé e razão é ainda mais necessário. Há diversos equívocos a serem superados para uma justa compreensão da questão. É preciso superar os reducionismos que tendem a absolutizar e a excluir, desconhecendo a complexidade da realidade e empobrecendo-a. A afirmação da razão não deve implicar na negação da fé, assim como esta, se bem entendida, não exclui a razão.
No campo da razão, dentre outras, está a relação entre ciência e fé, com a postura cientificista de absolutização da ciência. Tal perspectiva tem sido questionada no próprio campo da epistemologia científica, cedendo lugar a uma concepção mais crítica e dinâmica, que destaca a provisoriedade do conhecimento, o papel do sujeito e as condições sociais de produção do discurso científico. Além disso, ao invés da pretensa neutralidade ética, cresce o reconhecimento da necessidade de limites éticos à pesquisa científica, pois nem tudo o que é tecnicamente possível pode ser eticamente aceitável, especialmente, quando estão em jogo a vida e os direitos fundamentais da pessoa. Uma justa valorização da ciência ultrapassa a tendência cientificista, admitindo-se a validade de outras expressões do saber, os limites do conhecimento científico e as implicações éticas das pesquisas científicas e das modernas tecnologias.
No campo religioso, verifica-se a tendência reducionista na compreensão da fé, com a rejeição do saber científico. Nesta ótica, o que vale é unicamente a fé ou o discurso religioso. Esta tendência, que muitos julgavam relegada ao passado, ressurge tristemente em meio a fundamentalismos religiosos, que acabam gerando fanatismo e intolerância. Ao contrário, no campo religioso, é preciso “dar as razões de nossa fé” (1Pd 3,15), estabelecendo um diálogo fecundo e respeitoso entre fé e razão.
Reducionismos desfiguram a própria realidade e empobrecem o conhecimento que dela temos. Admitir, com humildade, a provisoriedade do atual estágio de conhecimento não significa relativismo ou descrédito da verdade. Ao contrário, permite-nos avançar sempre mais rumo à sua plenitude. É indispensável o diálogo entre fé e razão, entre fé e ciência, cada qual com sua especificidade e autonomia, numa perspectiva de colaboração e complementaridade. O diálogo enriquece; uma compreensão ensimesmada da realidade paralisa, impedindo avançar rumo a uma compreensão sempre mais profunda da vida e do mundo. Tal diálogo exige a superação da polêmica ofensiva, de preconceitos e fundamentalismos, sejam de cunho religioso ou científico. Aproximar-se primeiramente para “escutar”, “compreender” e “respeitar”, numa atitude de fraterna estima, segundo a proposta de Paulo VI, na encíclica Ecclesiam Suam, enfatizada pelo Papa Francisco.