Cardeal Sergio da Rocha
Arcebispo de Salvador (BA)
A violência contra a mulher perdura no cotidiano das famílias e da sociedade brasileira, apesar dos esforços para combatê-la. A situação continua grave conforme as estatísticas que revelam casos de ofensa verbal, agressão física e feminicídio. Segundo dados do boletim “Elas Vivem: dados que não se calam”, lançado em março de 2023, a Bahia registrou um aumento de 58% no número de casos de violência contra a mulher. Foram 316 crimes, em 2022. A Bahia teve o maior número de feminicídios na região Nordeste, com 91 registros. Segundo a mesma fonte, 75% das violências são praticadas por companheiros ou ex-companheiros. Os dados emergem de um cenário complexo, pois muitos casos podem não ser interpretados como feminicídios, devido à dificuldade de tipificação penal.
A violência contra a mulher se insere num quadro sombrio de violência doméstica, não se restringindo às mulheres, mas atingindo também filhos e familiares. Os casos nem sempre são denunciados por vergonha, medo ou dificuldade de acesso à justiça. Há quem considere a violência doméstica como um problema de família, sem maior importância, mas ela não pode ser considerada como algo normal e tolerável. É crime brutal a ser erradicado por meio da prevenção e da justiça. Não se pode subestimar ou negligenciar este grave problema, pois não se trata de meros dados estatísticos, mas de vidas que estão sendo violadas e ceifadas. O assunto necessita ser colocado em pauta, com a atenção requerida pela sua gravidade e urgência.
A comum dignidade do homem e da mulher está afirmada no relato bíblico da criação, segundo o qual Deus os criou “à sua imagem e semelhança” (Gn 1,27). Portanto, a dignidade da mulher está enraizada na própria natureza da pessoa humana, dom do Criador. Embora não seja resultado de concessão social, é preciso assegurá-la por dispositivos legais, por políticas públicas, pela ação das autoridades constituídas e pela colaboração da sociedade civil organizada.
A Lei 11.340, denominada Lei Maria da Penha, sancionada no dia 07 de agosto de 2006, tem se revelado um valioso instrumento para a superação do quadro de violência e morte que tem vitimado as mulheres. É preciso garantir a efetivação dos mecanismos previstos na Lei, de modo a favorecer a superação deste grave problema social e familiar, realizar a justiça e assegurar a devida assistência às vítimas.
Há muito a ser feito para que o espaço familiar, a casa, seja local de segurança e de paz. É preciso refletir a respeito da gravidade do feminicídio e das outras formas de violência doméstica. A violência contra as mulheres, em casa ou em outros ambientes, é uma faceta da violência disseminada na sociedade. Por isso, o seu enfrentamento deverá ser acompanhado dos esforços para a superação de toda e qualquer forma de violência e para a construção da paz.
*Artigo publicado no jornal Correio, em 27 de novembro de 2023.