Dom Orani João Tempesta
Domingo passado, último domingo do Tempo Comum, a Igreja celebrou a Festa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Qual é o reino de Jesus Cristo? Poderíamos imaginá-lo sob a forma de um reino terreno, onde os valores como riqueza e poder são os critérios de julgamento? Certamente que não.
Diante de Pôncio Pilatos, Jesus vai afirmar: o meu reino não é deste mundo (Jo 19, 36). A realeza de Cristo, que nasce da morte no Calvário e culmina no acontecimento dela inseparável, a ressurreição, recorda-nos aquela centralidade, que a ele compete por motivo daquilo que é e daquilo que fez. Verbo de Deus e Filho de Deus, primeiro que tudo e acima de tudo, “por Ele — como repetiremos no Credo — todas as coisas foram feitas”, Ele tem um intrínseco, essencial e inalienável primado na ordem da criação, a respeito da qual é a suprema causa exemplar.
Instalar um reino nesses moldes entre nós ainda é um desafio. É desafiador reconhecer Jesus Cristo naquele mais pobre, mais necessitado e que nos interpela por justiça. É desafiador pensar em um reino onde todos possam ser iguais, onde o que prevalece é o poder de serviço e não o poder autoritário que esmaga o outro.
Saberemos um dia viver assim? Seremos capazes de assumir esta proposta em toda a sua radicalidade? Seremos, nós, ativos construtores dessa nova ordem? Este é o convite que a festa de Cristo Rei nos faz. Que saibamos responder afirmativamente a ele. Que possamos reconhecer em Jesus Cristo o convite à implementação de um novo reino e que sejamos seguidores fiéis de um rei de amor e de bondade.
Junto com a festa de Cristo Rei, celebramos também o Dia do Cristão Leigo e da Leiga. Vocação especial, ser leigo ou leiga no mundo de hoje é um permanente desafio. Desafio de vida e testemunho: como estar no mundo, sem ser do mundo, como nos conclama São Paulo? Leigos e leigas ocupam importantes ministérios na vida da Igreja e assumem sua vocação particular de constituir família – e aceitar com generosidade a vocação matrimonial que Deus lhes dá. Assumem a vocação de atuar profissionalmente com ética, dedicação e diferencial positivo no sentido de ser uma pessoa diferente no meio de tantas. Assumem vocação missionária, dedicando-se, muitas vezes, solitariamente, ao outro mais necessitado. Devemos considerar a situação da vida dos leigos na família, célula fundamental da Igreja e da sociedade, em tempos difíceis de desagregação da ordem familiar, com a relativização do matrimônio que gera um casamento sem compromisso cristão.
Vivemos uma grave crise moral que hoje em dia se abate, de muitos modos, sobre a família brasileira. Precisamente por isso, é necessária e urgente uma profunda revitalização da instituição familiar. É essa uma tarefa prioritária dos leigos na nova evangelização. É doloroso observar a extrema fragilidade de muitos casamentos, com a triste sequela de inúmeras separações, de que os filhos são sempre vítimas inocentes. É ainda lastimável ver o desrespeito à lei divina, que se espalha com a difusão de práticas anticonceptivas gravemente ilícitas; ver o índice alarmante de esterilizações de mulheres e de homens, voluntárias ou induzidas, às vezes, pelos responsáveis da sociedade política ou por profissionais que deveriam zelar pela dignidade e integridade da pessoa e do corpo social; ver o incremento, também alarmante, da prática do aborto, desse atentado criminoso ao direito humano primeiro e fundamental, o direito à vida desde o instante da sua concepção, que jamais pode ter qualquer justificativa prática e, menos ainda, legal.
Não podemos nos descuidar das outras graves causas de deterioração das famílias, como as decorrentes das condições infra-humanas de moradia, de alimentação e de saúde, de instrução e de higiene em que vivem milhões de pessoas no campo e nas periferias das cidades, com a lamentável consequência de um elevado número de menores abandonados e marginalizados. As conseqüências dos desvios nos levam a situações injustas insustentáveis que conduzem à uma constante violência entre nós.
Conclamo as lideranças leigas a lançar um forte apelo à responsabilidade moral dos detentores do poder público, em seus diferentes níveis, e de todos os homens de boa vontade, católicos ou não, para que criem, dentro das suas possibilidades de atuação, condições econômicas e sociais que garantam a dignidade da vida humana e da família. Pode-se fazer muito e deve-se fazer muito para reverter essa situação. É muito séria a obrigação de cada fiel batizado – os nossos irmãos leigos e as nossas irmãs leigas – de promover corajosamente os valores cristãos do casamento e da família. “Começai pelos vossos próprios lares, a fim de serdes vós mesmos “luz do mundo” e sal que preserva da corrupção”.
Estamos em estado permanente de missão à sombra da proteção da Virgem Maria, Aparecida e de Guadalupe. Os bispos latinoamericanos nos conclamam: Esses leigos e leigas, homens e mulheres, são mencionados e identificados desde o princípio do documento, já vinculados aos ministérios que exercem, tais como “ministros da Palavra, animadores de assembleia e de pequenas comunidades”. Sua abnegação e dedicada entrega como missionários são louvados, especialmente na participação da missão “ad gentes”. Devemos sublinhar, com linhas de ouro e de gratidão, que o lugar do cristão leigo é no mundo, renovando as estruturas temporais. “Os leigos de nosso continente, conscientes de sua chamada à santidade em virtude de sua vocação batismal, são os que têm de atuar à maneira de fermento na massa para construir uma cidade temporal que esteja de acordo com o projeto de Deus.”
É assim que foram surgindo e ocupando espaço os leigos teólogos, homens e mulheres que dedicaram sua vida ao estudo, ensino e pesquisa da teologia; os leigos e leigas orientadores espirituais, que acompanham outros no itinerário do encontro em profundidade com o Deus de Jesus Cristo; os leigos e leigas que lideram comunidades cristãs, organizam a liturgia e a celebração. Ou seja, cristãos leigos que exercem uma ação transformadora sobre o mundo, atuando desde dentro da Igreja.
Quero saudar todos os homens e mulheres batizados, que, com denodo, ajudam na nova evangelização em nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. Portanto, os batizados devem trabalhar no mundo, nas estruturas temporais, ouvindo a voz dos pastores da Igreja.
Enfim, leigos e leigas assumem o grande desafio de serem pedras vivas da Igreja, trabalhadores do Reino que Cristo Rei vem implementar.