Dom Caetano Ferrari
Diocese de Bauru (SP)
Quando eu era criança, lá na roça onde nasci, o dia 6 de janeiro era feriado e dia santo de guarda em comemoração à visita dos Reis Magos ao Menino Jesus, em Belém. Hoje essa festa passou para o domingo seguinte, quando se celebra na Liturgia a solenidade da Epifania (manifestação) do Senhor. Neste dia Jesus se manifestou como Salvador de todos os povos, nas figuras dos Reis do Oriente, que chegaram a Belém seguindo uma misteriosa estrela. Na interpretação de Santo Agostinho “Aquela estrela era a graça divina” que passou por suas vidas.
No Evangelho da santa Missa da Epifania – Mt 2, 1-12 – São Mateus relata a saga de alguns magos, sem dizer os nomes deles, nem que eram três nem que eram reis, os quais vieram do Oriente a Belém, guiados por uma estrela, a fim de adorar Jesus, o rei dos judeus que acabara de nascer. Chegando a Jerusalém perguntaram sobre o menino, mas ninguém soube responder, nem mesmo as autoridades do império e do templo. Então o rei Herodes ficou perturbado com o eventual nascimento de um rival e mandou perguntar aos sumos sacerdotes e aos mestres da lei sobre onde deveria nascer o Messias. Seu interesse era de eliminar o quanto antes esse possível rival. Os sacerdotes responderam ao rei, dizendo: “Em Belém, na Judéia, pois assim foi escrito pelo profeta: ‘E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo’”. Herodes avisou os magos e os enviou a Belém, dizendo: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o menino. E, quando o encontrardes, avisai-me para que também eu vá adorá-lo”. Em seguida, os magos partiram e a estrela ia adiante deles até parar sobre o lugar onde estava o menino. Entrando na gruta, viram o menino com Maria, sua mãe. Como conta São Mateus “Ajoelharam-se diante dele e o adoraram. Depois, abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho”.
Segundo os biblistas, os magos do Oriente seriam naturais da Pérsia, estudiosos dos astros e também conhecedores das escrituras sagradas. Portanto, não podiam ser confundidos com outros magos, conhecidos como feiticeiros perigosos, que a Bíblia sempre rejeitou. Estes magos do Oriente, pesquisando o significado daquela estrela nova que apareceu nos céus, descobriram o seu significado e, seguindo o seu movimento, chegaram até Belém, onde encontraram Jesus, o rei de Israel.
Os primeiros cristãos, a partir do começo do século III, foram reconhecendo estes magos do Oriente como reis, pois eles tinham tudo o que os reis tinham: séquito com camelos e servidores, cofres com tesouros, postura real e modo solene e respeitoso de proceder. Tudo isso transparece nos Evangelhos e, em consequência, a tradição eclesial acabou incorporando como verdade o que os fiéis foram acreditando sobre estes magos. Inclusive com base na tradição e em evangelhos apócrifos foram dados a eles até nomes: Melquior, Baltazar e Gaspar. Com base no “sensu fidelis” (o senso dos fiéis), como que um tipo de plebiscito popular, eles acabaram sendo canonizados, isto é, reconhecidos como santos pelo povo cristão e, por fim, os seus nomes foram registrados no “Catálogo dos Santos da Igreja Católica”. Ainda hoje o povo católico os venera como santos e o dia de sua festa é dia santo de guarda, o primeiro do calendário civil. Embora sendo persas, receberam nomes de origem judaica, cada um com o seu significado: Melquior = rei da luz, Baltazar = senhor do tesouro e Gaspar = o tesoureiro. E também segundo a tradição, representariam os três continentes conhecidos na época: Europa, Ásia e África. Assim sendo, Gaspar, representando a Europa, seria de cor branca e foi o que ofereceu a Jesus o ouro, sinal da sua natureza real, presente dado a reis. Melquior, representando a Ásia, seria moreno, e ofereceu o incenso, que era empregado no culto e altares, em sinal da natureza divina de Jesus. Baltazar, negro, representava a África e foi o que ofereceu a mirra, que era destinada a embalsamar os mortos, evocando o sofrimento e a morte futura de Jesus, sinal da sua imortalidade.
A devoção aos santos Reis chegou ao Brasil por Portugal. Foram os nossos descobridores que deram à enseada mais ao sul do Rio de Janeiro o nome de Angra dos Reis. Em Natal, no Rio Grande do Norte, fica o monumento aos Reis Magos e o Forte dos Reis Magos. Ali na Capela dos Reis Magos, o rei de Portugal, Dom José I, doou, em 1752, as imagens que os devotos consideram milagrosas.
Foram também os portugueses que trouxeram para o Brasil as Folias de Reis, os Santos Reis ou Reisados. As folias são festejos populares da tradição religiosa existente entre nós, sobretudo no interior, em meio rural. Elas acontecem no Natal e podem ir até o Carnaval. Revestem-se de grande beleza, com músicas, cantos, orações, recitação dos Evangelhos, especialmente das passagens que relatam o nascimento de Jesus, em Belém, desde o anúncio do anjo Gabriel, passando naturalmente pela vinda dos Reis Magos, a fuga da sagrada família ao Egito e a sua volta do exílio e a infância de Jesus. As folias caminham de casa em casa, fazendas, vilas, bairros, convidando os fiéis a descobrirem a estrela da graça que leva a Deus como o fizeram os Reis do Oriente. Os foliões vão vestidos com roupas coloridas, personificando figuras bíblicas. Há os palhaços que distraem os carrancudos soldados de Herodes, para facilitar a fuga da Sagrada Família ao Egito. Há os que carregam a bandeira do Divino e a dos santos Reis, há os cantadores, os instrumentistas, os leitores e os recitadores de versos. As famílias, com alegria e emoção, recebem à porta da casa ou no quintal os foliões; oferecem alguma coisa de comer, como café e bolo de fubá, e fazem a sua oferta de uma prenda como um frango, um leitão. Estas prendas serão preparadas e servidas no final da peregrinação da Folia a todos os que a receberam pelo caminho durante a jornada de fé e oração.