Dom Neri José Tondello
Diocese de Juína
(MT)

 

No dia 2 de novembro, celebramos o Dia de Finados, marcado pelo reconhecimento da finitude de cada ser humano. Nesse dia, misturam-se sentimentos de saudade e esperança para quem vive à “sombra da morte”. A morte, embora nos acompanhe diariamente, é algo que raramente recordamos, talvez porque preferimos focar na vida. Como afirmou o filósofo Henri Bergson, “uma criança quando nasce já está suficientemente velha para morrer. ” Essa visão nos lembra que a vida e a morte caminham juntas, e que o ato de viver é também uma preparação para esse novo nascimento que chamamos de morte. 

A experiência de “morrer para viver novamente” nos convida a enxergar a morte não como um fim, mas como uma transição para uma nova realidade. Na visão cristã, ela representa o início de uma vida plena junto a Deus, como descrito no livro do Apocalipse: “Na Jerusalém celeste, um novo céu e uma nova terra. Tenda de Deus, Deus habitará com eles. Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais” (Ap 21, 1-4). 

No entanto, a realidade do mundo atual nos confronta com tragédias diárias: mortes causadas por violência, acidentes, guerras, falta de acesso à saúde e negligência. Essas perdas, especialmente quando afetam crianças e jovens, são dolorosas e parecem desviar-se do plano divino. Em momentos assim, fica evidente a necessidade de valorizar e cuidar da “Casa Comum”, nosso planeta, para que possamos preservar e prolongar a vida para todos os seus habitantes. Afinal, como nos lembra o livro do Gênesis: “Deus nos criou à sua imagem” (Gn 1, 27), e somos chamados a viver e a deixar viver. 

A reflexão sobre a morte também levanta questões sobre o propósito da vida. Se viver faz tanto sentido, por que então a morte? Na visão cristã, o ser humano é eterno e habita o coração de Deus, mesmo ao atravessar o tempo. A vida, portanto, é um breve passeio, um prelúdio para um reencontro com Deus na eternidade. Cristo reforça essa promessa ao declarar: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6), afirmando que a vida nunca cessa, apenas se transforma. 

Com a ressurreição de Jesus, nossa compreensão da morte mudou profundamente. O céu é descrito como uma festa, e o Reino de Deus é um convite à vida em abundância (Jo 10, 10). A teologia escatológica nos assegura que a vida eterna é uma extensão da alegria de viver com Deus, e somos chamados a antecipar essa experiência, vivendo aqui na Terra com sentido, gratidão e esperança. 

A Liturgia do Dia de Finados traz um lembrete importante sobre a necessidade de estarmos preparados para o encontro com Deus: “Se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar, não deixaria que arrombasse a sua casa. Vós também, ficai preparados!” (Lc 12, 39-40). Essa preparação se traduz em viver com fé e esperança na promessa de vida eterna, como enfatizou o Papa Bento XVI: “A fé no juízo final é primariamente e sobretudo esperança, a favor da fé na vida eterna” (Spe Salvi, p. 53). 

Jesus também nos garante que há muitas moradas na casa do Pai e que Ele nos prepara um lugar para estarmos juntos (Jo 14, 1-3). A ressurreição, como ensinava o teólogo Karl Rahner, é entendida como vitória sobre a morte e a confirmação da salvação em Cristo. Para o cristão, a peregrinação da vida é feita na esperança de encontrar a Deus, e essa esperança nunca se perde, mas se completa ao ver a Deus face a face. 

A esperança cristã na ressurreição nos permite ver além da dor da perda de um ente querido. Como São Paulo escreveu: “O corpo semeado corruptível ressuscita incorruptível; semeado desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força” (1Co 15, 44). A celebração de Finados, então, não é apenas sobre a tristeza da perda, mas também sobre a confiança em uma vida eterna com Deus, onde a vida nunca termina. 

O Dia de Finados é uma data para refletirmos sobre o mistério da morte, mas também para celebrar a esperança de uma vida que transcende. Nele, encontramos consolo ao lembrar que, para os que creem, a morte não é o fim, mas o início de uma jornada que nos leva de volta ao abraço eterno de Deus. 

 

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