Dom Messias dos Reis Silveira
Bispo de Teófilo Otoni (MG)
Desenhei uma flor de água. Foi como um desenho imaginário representando o reflexo da liquidez da vida. Tudo nela era líquido. Foi difícil juntar os pingos na folha de papel até que ela adquirisse a sua forma. Parecia filha de uma nuvem florida. Era uma flor frágil. O que é frágil nos leva ao mistério. Depois de desenhada, aquela flor não durou muito tempo. Sua fugacidade desmontou meus esquemas mentais. Mal acabara de nascer e logo se foi. Ficou muito linda, mas durou apenas um momento. A sua beleza só pôde ser conservada na memória. O belo é sempre passageiro. A flor desfez-se escorrendo e molhando tudo o que seu sangue tocava. Mas não era apenas sangue, era o todo de sua vida. Meus dedos ficaram úmidos. O calor da minha presença a fez desaparecer tornando-se um vapor que se esvaiu no ar. A flor de água não durou muito tempo, mas deixou saudades. Temos saudades não porque estamos longe, mas porque um dia estivemos perto. Aquela flor esteve mais do que perto de mim. Esteve na minha mente e no meu coração. Foi por isso que ela nasceu. A beleza nasce de dentro. Não existem coisas feias. O que existe é um olhar pouco artístico. Filhos quando não estão no coração dos pais correm o risco de serem abortados. Creio que ela foi ser beleza em algum lugar que talvez estivesse muito ressequido necessitando de alguma beleza molhada.
Na construção desta flor aprendi que seu lugar não é em nossos papéis existenciais. É preciso permitir que ela surja e se transporte para as situações de vidas ressequidas. Existe um jardim interior feito de flores de água. Esse jardim é frágil. A beleza da fragilidade é mistério a ser descoberto. Onde nascem flores exala-se perfume. Os aromas elevam nosso espírito. A vida espiritual é aromática. Madalena ungiu os pés de Jesus e ele a ungiu com seu amor. Um perfume divino a envolveu. Os discípulos de Jesus foram enviados a ungir as pessoas com o perfume da evangelização. Enquanto ressoa a melodia do Evangelho, a unção acontece. Na vida litúrgica os aromas estão presentes. O incenso sobe como oração que se eleva ao Pai. O óleo do Crisma é perfumado. As flores naturais espalham beleza e aromas agradáveis aos pés do altar e na nave da igreja. Um odor de santidade deve-se espalhar por onde passa o cristão.
A vida humana é como uma flor d’agua. Aliás somos mais água do que massa. É bom que seja assim. Dessa forma temos menos chances de nos solidificarmos. Se tendemos a nos solidificar, o calor do amor divino nos liquefaz. Tudo que se solidifica torna-se duro. Uma vida endurecida torna-se árida, não gera ternura, fere e não se abre à germinação de um amanhã de alegria e paz.
É preciso ter a sensibilidade olfativa para perceber o perfume da flor d’agua. É preciso ter olhos artísticos para a perceber e passar por ela sem a atropelar. É preciso ter mãos hábeis e carinhosas para a tocar. A fragilidade de uma flor d’agua ensina a necessidade de edificar a beleza e dela cuidar. A unidade de suas pétalas formam o conjunto de sua beleza. Mas ela precisa de caule e folhas. A flor da vida é profundamente dependente de cuidados e de apoios assim como as flores precisam de raízes, caules e do jardineiro. A vida segue porque o “Divino Jardineiro”, ao plantar um jardim no Paraíso, nunca o abandonou, apesar das primeiras flores terem buscado a superioridade. Ele mesmo, o Deus da vida, criou um novo jardim regado com o sangue de seu Filho e trouxe vida nova.
Feliz de quem planta flores de água no chão de sua vida, pois elas trazem a leveza de uma existência molhada e feliz. Do rebento de uma flor, nasceu o Salvador. Deus espalha sementes de flores nos canteiros da existência humana.