Dom Beto Breis
Arcebispo de Juazeiro (BA)
Já se passaram nove anos da publicação da Encíclica do Papa Francisco sobre o Cuidado da Casa Comum, a Laudato Si’, e um ano da ‘Laudate Deum’ (Louvai a Deus), que dá continuidade a essa necessária e urgente reflexão. No cartaz da Campanha da Fraternidade do próximo ano, a figura de São Francisco de Assis ocupa lugar central num grande convite ao louvor e à conversão ecológica. De fato, a proposta do Pontífice de uma ecologia integral encontra no Santo de Assis “um modelo belo e motivador”. Os números 10 a 12 da Laudato Si’ apresentam as características do Poverello que tem inspirado seu pontificado, a começar pela proximidade com os pobres, a escuta atenta de seus clamores e a “o urgente desafio de proteger a nossa casa comum”.
A partir de sua profunda e original experiência da paternidade de Deus e de uma vivência surpreendente e inaudita da dimensão horizontal dessa fé, o Assisiense não se colocava acima das outras obras da Criação, mas ao lado delas, consciente de que este planeta é a grande Casa que o Pai terno e amoroso preparou para todos. Compreendia que somos todos irmãos e irmãs nesta casa comum e o ser humano é chamado a ser o re-presentante de Deus no seu cuidado e preservação. Dominar não é antropo-centricamente subjugar todos os seres ao bel-prazer de interesses e ambições des-medidos, mas manter a casa (domus) habitável e acolhedora. Se o Cântico das Criaturas, composto por Francisco já cego dos olhos na proximidade da irmã morte, expressa de forma estupenda essa reconciliação e interação com a natureza e uma decisiva contestação ao dualismo radical dos membros do Movimento Cátaros (grave heresia da época) , os primeiros biógrafos do Santo atestam como Francisco em todas as criaturas reconhecia as marcas indeléveis do Criador e se confraternizava com todas elas, sem desejo de posse e sem atitude depredatória. O Irmão Universal, que acolhe e reverencia indistintamente a todos a partir dos mais pobres e des-prezados , é também o irmão cósmico, que não se define pelo que o diferencia das demais obras geradas pelo Artista Divino, mas por aquilo que com elas possui em comum, numa grande con-fraternização.
São Boaventura de Bagnoreggio, um dos seus primeiros biógrafos, chega a afirmar que Francisco reconhecia nas coisas belas o Belo por excelência, a fonte e origem de tudo o que existe nesse espaço vital que é a Terra. Os elementos da natureza tornam-se memória ex-plícita do seu Autor e daí sua contemplação e reverência como possibilidade de comunhão e celebração com Ele.
Assim, Boaventura sugere que todos os seres criados são como vestígios que permitem o reconhecimento do Criador. Essa compreensão franciscana repercutiu fortemente em Giotto (1266-1337), iniciador da linguagem artística ocidental, precursor do Renascimento e bastante ligado aos frades menores de Florença. O primeiro grande ciclo giottesco é justamente o de Assis (Basílica de São Francisco) e nestes afrescos é evidente a conclusão de que o pintor bebeu nas fontes do Pobrezinho e de seus companheiros a percepção absolutamente realista do sagrado e positiva da realidade circundante. Rompendo o rigor do dourado bizantino, a Criação (céu explendidamente azul, cascatas, árvores, montanhas da verde e bela Úmbria…) passa a ser compreendida como caminho, e não obstáculo para se adentrar no Mistério. Beleza e verdade, sem dualismos, pois tudo o que provém da Fonte da Vida é epifânico e diáfano (manifestação) de sua Bondade e presença.
Recordar Francisco de Assis e sua cortesia neste tempo de graves consequências das mudanças climáticas, de ameaças graves aos direitos dos povos originários, de consequências nefastas da ação de ávida mineradora em nossa amada Maceió e outras tantas expressões do des-cuidado com a Casa-Planeta, pois, é relevante e inspirador. Como nosso caro Francisco de Roma, importa deixar-se impactar pelo seu atualíssimo testemunho para sermos também nós profetas da vida e defensores da Criação, num modo radicalmente novo de viver e con-viver com os irmãos e irmãs que partilham conosco esse habitat comum ainda tão belo e encantador.
