Dom Genival Saraiva
Bispo de Palmares – PE
Com a posse no dia 1º de janeiro, no âmbito da União, dos Estados e do Distrito Federal, os membros do Poder Executivo começaram o seu trabalho, com as declaradas disposições de resolver os problemas da população, mesmo contando as naturais dificuldades de compreensão da situação real da complexa engrenagem administrativa. Essa é a face da realidade, muito presente nesses primeiros dias de governo, especialmente em se tratando de novos administradores, muito embora, em certo aspecto, isso também possa acontecer com administradores reeleitos, se pretendem redirecionar a linha de ação de determinadas políticas públicas.
Em decorrência dos resultados das urnas, obviamente, a composição das forças políticas tem um novo perfil, nos Poderes Executivo e Legislativo, cujos membros se alinham como governo e oposição. Embora considerando a autonomia e a competência de cada um destes Poderes, o seu funcionamento, no pleno exercício do regime democrático, supõe sempre uma harmonia, em benefício da população que é a fonte e a razão de sua existência. Mesmo sabendo-se que não é uma perfeição, como tudo que tem o ser humano como protagonista, a democracia, sem dúvida, é o regime mais próximo da população, por lhe permitir a participação no processo eletivo e na formulação de políticas públicas que respondam às suas aspirações e atendam às necessidades de todos os seus segmentos. Aristóteles já afirmava e a população confirma, em sua experiência, que o perigo para o qual resvala a democracia é a demagogia. Com efeito, há sempre a possibilidade de uma instrumentalização da democracia, fato que gera uma mudança do foco dos interesses do bem comum para os interesses de pessoas e grupos. Esse perigo somente será evitado quando os cidadãos e, especialmente, os políticos pensarem e agirem como democratas.
Mario Andreotti, político italiano, apresenta o pensamento do grande estadista alemão Konrad Adenauer, a respeito do lugar que têm os políticos, no regime democrático: “Pensava que o único meio para obter progressos em democracia e para se acostumar e acostumar a ‘raciocinar como democráticos’ fosse o de ter um governo e uma oposição, um contra o outro”. De fato, na medida em que essas duas forças atuarem, aplicando a dialética de Hegel (Tese, Antítese e Síntese), em seu respectivo campo de ação, na elaboração de leis e na formulação de planos e programas de governo, haverão de perceber os benefícios da democracia na vida do povo.
Seguramente, os homens e as mulheres que, nas últimas eleições, receberam o mandato da população para exercerem suas funções legislativas e executivas, em sua grande maioria, não raciocinam, nem agem como ‘democráticos’, em sua condição de governo e oposição. Há exemplos evidentes disso, nessa fase de preenchimento de cargos de direção, nos diversos escalões da administração federal, distrital e estadual. Isso acontece porque prevalece o corporativismo dos partidos e coligações políticas, na indicação de nomes, ao invés do parâmetro da qualificação e da competência que deve nortear as escolhas, de conformidade com a natureza das ações a serem empreendidas. Na prática, em muitos casos, há uma imposição de nomes ao governante, postura que fere o seu natural direito de escolha. Nesses casos, não se está observando o estabelecimento de “um governo e uma oposição, um contra o outro”, conforme o pensamento de Adenauer, em benefício da sociedade, mas governo e oposição, “um contra o outro”, em estado de colisão, em face do conflito de interesses. Os meios de comunicação ilustram essa situação, no momento da indicação de nomes para o “segundo escalão” da administração federal, quando o PMDB ameaça aprovar a elevação do salário mínimo para R$ 560,00 (quinhentos e sessenta reais), ao invés do valor acordado de R$ 540,00 (quinhentos e quarenta reais). Evidentemente, o cidadão identifica logo que essa posição, longe de ter o olhar social sobre a vida dos assalariados, é uma retaliação demagógica que, por sinal, revela uma grande imaturidade política. Nos Estados, revelam-se casos semelhantes, no momento da escolha de nomes para a ocupação de funções públicas.
Quando governo e oposição atuarão, “um contra o outro”, chegando a um denominador comum, na “Síntese” da ação conjunta em favor da população?