Hino Cristológico da Carta aos Efésios (Ef 1,3-14)

Dentro do espírito deste Ano Paulino, o presente artigo quer simplesmente nos ajudar a refletir a riqueza da teologia Paulina, de modo particular neste texto tão utilizado em nossa liturgia e que nos revela a experiência de fé de Paulo que testemunha para nós a eficácia de seu encontro com Cristo que transformou sua vida. Espero que esta reflexão os ajude a viver uma fé amadurecida, capaz de reconhecer que em Cristo o Pai realmente nos abençoou com todo tipo de bênçãos espirituais do Céu (v. 3) e aprendamos com São Paulo a fazer de nossa fé uma resposta ao amor salvífico de Deus.

Este texto, em forma de hino(1), é rico no seu significado teológico, pois se apresenta como uma verdadeira síntese cristológica da carta aos Efésios. Para muitos autores este hino revela a influência do estilo comunitário e é construído com material preexistente. E só alguns autores defendem a hipótese de um hino litúrgico eclesial preexistente, de caráter batismal, ou, de alguma forma, ligado ao culto das primeiras comunidades.

Para nós, o importante agora é nos deter no valor teológico deste hino, procurando refletir nos motivos que o próprio texto nos apresenta para louvarmos e a rendermos graças a Deus. A grande motivação apresentada neste hino se expressa na descrição do processo salvífico, que são as bênçãos recebidas de Deus em Jesus.

Após a apresentação de Paulo e a sua saudação aos destinatários da carta que são os vv. 1-2, inicia-se no v. 3 este hino de louvor dirigindo-se a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que por meio de seu Filho nos abençoou. De fato, já no v. 3 Jesus Cristo é reconhecido como a grande bênção ou a grande graça que Deus concedeu à humanidade, pois em Cristo, o Filho de Deus, nós fomos agraciados de tal modo que, unidos a Ele, experimentamos o amor salvífico de Deus.

Escolhidos por Deus em Cristo antes da criação do mundo, nós fomos chamados à santidade (cf. v. 4). Aqui se manifesta a gratuidade da salvação, que se efetiva no viver em Cristo, configurando-se a Ele para sermos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor (v. 4). Deus que nos criou por amor nos salva também pelo amor, por isso é na vivência do amor que nos identificamos com Cristo, e nos tornamos santos. Nisto consiste o viver em Cristo!

Em Cristo fomos escolhidos (cf. v. 4), por Cristo fomos predestinados a sermos seus filhos adotivos (cf. v. 5). Sendo assim, nos tornamos filhos no Filho, participando de seu estatuto de Filho único e amado. Em Cristo é que aprendemos a viver uma relação filial com Deus, e podemos nos tornar objeto do amor do Pai. Esse é o projeto de Deus, pois assim o quis sua benevolência para o louvor de sua glória, e da sua graça com que nos cumulou em seu bem-amado (v. 6).

Em virtude desta nossa união com Cristo recebemos também a redenção e o perdão dos pecados. O sangue derramado por nós (cf. v. 7) revela a radicalidade do amor do Cristo que dá a vida, e que se torna força de libertação. É a riqueza da graça de Deus manifestada a todos os homens.

Os temas deste hino estão bem articulados e giram em torno do projeto salvífico, cujos momentos foram apresentados – eleição, depois filiação, libertação experimentada e vivida – mas é importante perceber que Jesus Cristo é o revelador do Mistério Salvífico e, por isso mesmo, n’Ele realiza-se a plenitude da revelação (cf. vv. 9-10). Ele resume em si todo fragmento da história salvífica anterior e a unifica como único Senhor e cabeça de toda a realidade.

Como filhos escolhidos e libertados, nós somos convidados a conhecer o projeto de Deus e sua vontade para que a nossa vida seja vivida para o louvor de sua glória (cf. v. 12).

Nos últimos versículos (13-14), Paulo reconhece a universalidade da salvação para todos os que escutarem a mensagem da verdade e acreditaram em Jesus entram no processo salvífico, que tem como meta a libertação definitiva prometida por Deus e garantida pelo dom do Espírito Santo. Neste sentido, toda a humanidade é convidada a acolher a graça salvífica de Deus, colocando-se à escuta de sua Palavra que é Jesus Cristo. Ele é a Palavra da verdade que revela a autêntica realidade de Deus e do homem. Em outras palavras, em Cristo nos é revelado o sentido da vida para vivermos segundo a sua vontade, como filhos santos e imaculados no amor.

Além disso, somos também em Cristo marcados com o selo do Espírito Santo, que é sinal de reconhecimento ou pertença, de habilitação para uma missão, ou de proteção. No final do hino sua perspectiva se volta para o futuro, para a espera dessa plena libertação que, no presente, está assegurada pelo dom do Espírito.

Por fim, podemos dizer que este hino traz também um caráter trinitário. “No princípio Deus, identificado como o ‘Pai de Jesus Cristo’ (v. 3) e nosso pela adoção (v. 5); Ele é o agente de tudo ‘segundo seu desígnio e decisão’ (vv. 5.9.11). Realiza tudo ‘por meio de Cristo’ (mencionado nos vv. 3.5-10.12). Termina o parágrafo com a referência ao Espírito Santo, ‘selo e garantia’ (vv.13-14).”(2)

Portanto, o presente hino, com sua riqueza teológica, é um convite a reconhecê-lo como uma “síntese da profissão de fé que se torna canto de louvor e que jamais perde de vista o seu centro, Deus, o seu amor gratuito e eficaz em Jesus, o Cristo, que revela e torna historicamente ativo esse amor, e a comunidade cristã, que é onde se revela e se experimenta concretamente o amor salvador de Deus”.(3)

Notas

  1. O texto pertence ao gênero das bênçãos, freqüente na liturgia judaica: o homem “bendiz” a Deus agradecendo as “bênçãos” recebidas. (cf. Bíblia do Peregrino – NT. São Paulo: Paulus, 2000).
  2. Bíblia do Peregrino – NT. São Paulo: Paulus, 2000.
  3. FABRIS, Rinaldo. As cartas de Paulo (III) – Bíblia Loyola 6. São Paulo: Loyola, l992, p153.

 

Pe. Danival Milagres Coelho
Diretor Espiritual do Seminário Arquidiocesano de Mariana

BIBLIOGRAFIA

FABRIS, Rinaldo. As Cartas de Paulo (III) – Bíblia Loyola 6. São Paulo: Loyola, 1992.
Bíblia do Peregrino – NT. São Paulo: Paulus, 2000.
Tradução Ecumênica da Bíblia. São Paulo: Loyola, l994.

Tags:

leia também