Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
A Igreja é a materialização da vontade de Cristo, cuja estrutura não cederá a nenhum poder maligno. Por isso Jesus disse a Simão: “tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e a porta dos infernos jamais prevalecerão sobre ela” (Mt 16,18).
Dito isso, e vivendo em grande paz depois que o autor dessas palavras ressuscitou, vejamos agora o que não está dito nesta proclamação.
A pedra continuará firme nas brumas incontáveis do tempo. Jesus mesmo é a garantia. Entretanto, esta é uma afirmação simples. Não há nela nenhuma referência à imobilidade, nem proibição de caminhar no tempo. Aliás, por faltar referência a essa proibição, tudo indica que a Igreja deve caminhar.
O Colégio apostólico tem autoridade e deve se empenhar pela Igreja que adentra o tempo e irrompe na construção da história e da cultura.
A memória da instituição dos diáconos em Atos 6,1-5, é uma prova exemplar de como a dinâmica apostólica está autorizada a desenrolar a vontade do Ressuscitado neste mundo. Nos lembra São Lucas, que após uma questão pontual, o melhor atendimento às viúvas gregas, chegou-se à decisão para instituir diáconos na Igreja. São inúmeras às situações que se apresentam com a mesma característica, principalmente nos Evangelhos, quando Jesus revelou a necessidade do ajuste interpretativo para fazer ver coisas que até então estavam escondidas.
A autoridade do Colégio apostólico hodierno deve adentrar no tempo de hoje. Sob a condução perene do Espírito Santo, oferecer mais que obediência a estatutos que nós mesmos criamos. Deve-se seguir com perspectivas firmes de fazer brotar as maravilhas que a Igreja testemunha desde sempre. Barnabé e Paulo se assombraram por verem os pagãos se convertendo ao Caminho. A partir do grande número dos convertidos surgiu a necessidade de uma reunião em Jerusalém, onde Tiago proclamou uma das mais célebres locuções da era apostólica: “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não lhes impor mais do que o necessário” (At 15,28).
Este que ficou conhecido como o decreto dos apóstolos, tinha em seu núcleo a proibição de comer carne imolada aos ídolos. Mas, tempos depois, ele precisou ser revisado.
Na realidade pastoral de Corinto, Paulo se deparou com a situação concreta daquela comunidade, e, embora houvesse aceitado o decreto apostólico, pareceu-lhe claro que era necessário avançar a reflexão.
O argumento paulino é complexo, e desenrola cinco argumentos a respeito da dita carne sacrificada aos ídolos: 1º que alguns pensam conhecer tudo, mas na verdade não conhecem como deveria; 2º é o amor que aproxima de Deus, não o conhecimento; 3º ídolos não existem, por isso, comer a sua carne é, no máximo, comer um churrasco de graça; 4º se alguém se sente desconfortável, não coma; e, 5º reforça o segundo argumento. Quem deixa de comer essas carnes não tem nenhuma vantagem em relação aos que comem, pois o amor é o que aproxima de Deus (1Cor 8).
É assim que experimentamos o desejo de Deus para o mundo. O Ressuscitado credenciou e possibilitou este desenvolvimento e progresso quando deixou neste mundo seguidores com autoridade e liderança.
A pergunta pertinente para o futuro da Igreja, então, é a seguinte: até onde vai a autoridade apostólica para avançar nas descobertas do Reino?
Certo que haverá sempre uma divergência sobre como interpretar aquilo que está escondido na sabedoria de Deus. Essas divergências, contudo, não devem produzir paralisia e inércia, mas vontade de superá-las e abrir caminhos para que seja possível emoldurar a cultura a partir de seus próprios contornos, elevando-a e acelerando-a para algo maior do que ela mesma.