No dia 11 de fevereiro o Estado do Vaticano comemorou seus 80 anos de existência. Situado no coração de Roma, com seus 44 hectares de superfície ele é o menor de todos os Estados soberanos do mundo; como entidade jurídica internacionalmente reconhecida, o Vaticano representa a sede (“Santa Sé”) da Igreja católica e tem no Papa seu representante direto. Sua gestão ordinária, no entanto, é exercida geralmente pelo Secretário de Estado da Santa Sé, atualmente, o cardeal Tarcísio Bertone.
Foi em Roma que, durante as perseguições do imperador Nero aos cristãos, o apóstolo São Pedro sofreu o martírio; sobre seu túmulo, na colina Vaticana, o imperador Constantino Magno, no século IV, fez erguer uma primeira basílica dedicada ao apóstolo; no século XVI, no mesmo lugar, foi erguida a atual basílica de S.Pedro, coração e símbolo do Vaticano, de onde os sucessores do Príncipe dos Apóstolos exercem sua missão em relação aos católicos de todo o mundo.
Com o fim do antigo Estado Pontifício, em 1870, e com o surgimento do atual Estado Italiano, o Papa Pio IX refugiou-se junto à basílica de S.Pedro, sem mais ter um espaço próprio para exercer, com autonomia e plena liberdade, sua missão em relação à Igreja do mundo inteiro. Assim também outros três de seus sucessores, Leão XIII, Pio X e Bento XV, consideraram-se “prisioneiros do Vaticano”. No dia 11 de fevereiro de 1929, sendo papa Pio XI e, rei da Itália, Vítor Manuel III, chegou-se à solução concordada do Tratado de Latrão, que deu origem ao Estado do Vaticano na sua configuração atual e estabeleceu os parâmetros da convivência com o Estado Italiano.
Trata de um Estado sui generis, cuja pretensão ao reconhecimento no concerto político internacional não se relaciona com um eventual poder econômico, nem com uma força militar, que não possui; sua importância decorre da sua autoridade moral, enquanto representa uma instituição milenar dedicada à defesa da dignidade humana, da justiça e da paz na convivência entre os povos. Essa autoridade é bem reconhecida e prestigiada pelas representações diplomáticas (Nunciaturas e Delegações Apostólicas) presentes em mais de 190 países e pelos representantes ou observadores que mantém em cerca de 20 Organismos Governamentais Internacionais, que vão desde a ONU até à Organização da Liga dos Estados Árabes.
A ação diplomática da Santa Sé no mundo se expressa em grande parte na busca de entendimentos e acordos com os diversos Estados para assegurar o exercício efetivo da liberdade religiosa aos cidadãos e o reconhecimento jurídico da Instituição eclesiástica nos países. E, mesmo se o Vaticano o faz enquanto responsável direto pela Igreja católica, o efeito dessa ação diplomática também acaba beneficiando os cidadãos de outros credos.
Ao longo das recentes décadas, foram celebrados numerosos Acordos bilaterais entre a Santa Sé e outros Estados (entre Igreja e Estado), e não apenas com países de maioria católica. No dia 13 de novembro do ano passado, durante a visita do Presidente Lula ao Papa Bento XVI, também foi firmado um Acordo entre a Igreja e o Estado Brasileiro. Desde a proclamação da República e o fim do regime do Padroado não havia mais um instrumento jurídico público, que deixasse claras as relações entre a Igreja católica e o Estado em nosso País. Estranhamente, a Instituição que, excetuado o própria Estado, representa o maior número de pessoas no Brasil, não tinha um reconhecimento jurídico e até encontrava dificuldades para afirmar a sua existência perante as Instituições do Estado. Para entrar em vigor, no entanto, o Acordo ainda precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional: Senado e Câmara dos Deputados.
Uma preocupação manifestada na opinião pública na ocasião da assinatura deste Acordo é que ele pudesse ferir o princípio da laicidade e da não-confessionalidade do Estado. No entanto, lendo os termos do Acordo, é possível dar-se conta imediatamente que esses receios são infundados. Quando a Igreja, enquanto uma instituição religiosa existente na sociedade, entra em diálogo com o Estado para o reconhecimento, em termos claros, da recíproca identidade e da diversidade de competências, fica, de fato, afirmado e consagrado o princípio da laicidade do Estado. Não se faz acordo sem antes aceitar as competências legítimas da outra parte. A Igreja católica reconhece e preza essa “laicidade positiva”, assim qualificada recentemente pelo presidente Sarkozy, da França; mas teria dificuldades com uma laicidade que excluísse da esfera pública a religião e o pensamento religioso, pretendendo-se ideologia oficial, impondo-se sobre a consciência privada dos cidadãos, ou discriminando-os em função de sua tendência ou prática religiosa. Isso seria lesivo aos direitos humanos e contrário à liberdade religiosa.
Pelo Acordo, a Igreja católica deixa claros e públicos os modos de sua existência e de sua atuação na sociedade e isso significa respeito ao pluralismo e à convivência democrática. Fica claro para todos quem é quem e quais são os termos da colaboração e os compromissos recíprocos assumidos. Na elaboração do Acordo, houve todo o cuidado para respeitar a Constituição e a legislação já em vigor no Brasil. Portanto, não houve a pretensão de afirmar privilégios para a Igreja católica. Muito daquilo que fica estabelecido no Acordo vale também para outros grupos religiosos. A eles, de toda forma, fica assegurado o direito de buscar entendimentos para, de sua parte, também estabelecerem pactos com o Estado.