Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
Estamos na da pátria e num tempo em que o patriotismo tem se tornado um conceito equívoco e disputado. Há tempos, a comemoração da data da independência política se tornou passarela para discursos e convocações desencontradas. Há décadas, as manifestações têm sido pouco populares e muito militares, como se o modelo de amor à pátria nos viesse das casernas. Além disso, a fé cristã rima mais com paz que com desfiles que ostentam armas e glorificam as guerras.
Lembro sem saudades, e com um certo constrangimento, aas celebrações eufóricas que marcaram os 150 anos da proclamação da independência, em 1972. Ainda adolescente, sem nenhuma consciência de que a “pátria mãe gentil” era governada pelo medo e muitos patriotas verdadeiros haviam sido mortos ou expulsos, eu cantava “potência de amor e paz, esse Brasil faz coisas que ninguém imagina que faz…” Eram os tempos da ordem de amaro Brasil ou deixa-lo. Como se os exilados deixaram o Brasil por não amá-lo…
Posteriormente, com um pouco mais de consciência, eu ficava incomodado ao constatar que as escolas não sabiam celebrar essa data senão com desfiles que imitavam os desfiles militares. Manifestações de defesa da soberania diante dos novos colonizadores e de crítica aos “podres poderes” de plantão, reivindicações de igualdade e justiça, expressão dos sonhos e utopias populares eram mal vistas e, não poucas vezes, proibidas.
Hoje, em meio às tentativas de apropriação ideológica das cores e dos símbolos nacionais, precisamos libertá-los do sequestro que estão sofrendo. Se conseguimos o penhor da igualdade entre as nações soberanas com braço forte, não é somente no seio da liberdade que precisamos estar prontos a desafiar a morte. No seio e no sonho da igualdade e da justiça, precisamos desafiar e desmascarar aqueles que impõem a morte perpetuando a desigualdade e promovendo o entreguismo.
Qual é o sonho intenso e o raio vívido de amor e de esperança que desce à terra? Não vejo outro senão aquele expresso no artigo 3º da Constituição de 1988: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
E os nossos bosques e florestas, cobiçados mais que nunca, clamam por vida. Nossos campos já não têm tantas flores, muita cana, soja, café, gado, e cercas que cercam e limitam nossa vontade de viver e de amar. Por isso, no seio dessa terra, nossa vida, a vida do nosso povo, tem mais dores que amores. Não é verdade que nosso passado é apenas de glórias, e, para que haja paz no futuro, é preciso fazer as contas com ele.
A semana da pátria é tempo apropriado também para levantar a clava forte da fome de justiça e de igualdade, da defesa da democracia e da soberania. É dessa luta que não podemos fugir. Não é filho nem ama a “pátria, mãe gentil” quem se cala por medo ou fala por ambição e por ódio, temendo desagradar senhores e perder a comodidade ou a vida.
