Índios e agricultores, uma luz no fundo do túnel?

No dia 19 de fevereiro, em sua visita a Três Lagoas, o Presidente Lula reafirmou a promessa feita na véspera, em Brasília, a um grupo de empresários e produtores rurais do Mato Grosso do Sul, de resolver o conflito de terras entre agricultores e índios do Mato Grosso do Sul antes do final de seu governo. De acordo com a versão de dois deputados federais do Estado, presentes ao encontro, o Presidente lhes teria dito durante a conversa: «Dinheiro não é problema. Vejam com o pessoal (do INCRA), achem uma área, estou disposto a comprar. Ajudem-me, quero resolver. Quero de imediato, não quero sair do Governo sem resolver».

Não há pessoa de boa vontade que não se regozije com a promessa de Lula, já que ela vem ao encontro de um dos problemas mais graves que afligem a população do Mato Grosso do Sul. Para chegar a um desfecho tão almejado, também o Presidente, a exemplo de várias autoridades do Estado, mais do que às demarcações, se posiciona a favor da compra de terra para oferecê-las aos índios. Eu mesmo, em artigos que publiquei ao longo de 2009 sobre o assunto, optei por essa medida, por me parecer de execução mais fácil e rápida.

Num deles, intitulado “Demarcações: vitória de Pirro e espada de Dâmocles”, eu escrevia: «Não me julgo perito no assunto, mas, para acabar com um conflito que se prolonga há séculos, uma das propostas mais simples e sensatas aparecidas ultimamente parece ser a compra, por parte do Governo, de terras que permitam a ampliação das atuais aldeias indígenas existentes no Estado. Não são poucos os produtores rurais que desejam vender suas terras, até mesmo pela crise que afeta a agricultura nestes últimos anos. Se isso real-mente acontecesse, todos sairiam ganhando: os agricultores, porque trabalhariam em paz, sem medo de perderem as propriedades que adquiriram e cultivam com o suor de seu rosto; e os índios, porque findaria seu perambular pelos municípios do Estado, esmolando terras que pertenceram a seus ancestrais».

Alguns meses mais tarde, no artigo “Muita terra para pouco índio?”, eu perguntava: «Por que o Governo Federal protela para as calendas gregas a solução de um problema que incha a cada dia que passa? Pode-se falar em falta de recursos para a demarcação – ou melhor ainda, dada a complexidade da medida, inclusive pela ambiguidade das assim ditas “terras ancestrais”, – para a compra de propriedades dos agricultores dispostos a vendê-las? E por que não recorrer às inúmeras terras devolutas existentes no Estado? Há verba para tudo: para emprestar 10 bilhões de dólares ao FMI, para gastar 32 bilhões de reais na compra de aviões de guerra da França e para contratar, de 2003 para cá, 160.000 fun-cionários públicos, com uma folha salarial que, em 2009, supera os 153 bilhões de reais. Só não existe dinheiro para resolver o problema dos índios! Enquanto isso, a tensão cresce a olhos vistos, fazendo com que índios e agricultores se olhem como inimigos».

No final do ano, em nota emanada pela Conferência Episcopal do Mato Grosso do Sul, re-petíamos: «Não cabe a nós, Bispos, indicar soluções, pois fogem à nossa competência. A outras instâncias pertence a responsabilidade de conduzir a política indigenista, definindo se se deva optar pela demarcação de terras “ancestrais”, como pedem os índios, ou pela compra, por parte do Governo, de propriedades situadas nas cercanias das atuais aldeias indígenas, como sugerem os produtores rurais, ou ainda partir para a utilização de terras devolutas no Estado».
A nota suscitou as reações mais diversas, algumas delas bastante elucidativas e serenas, como a de um empresário católico de Dourados, que escreveu num jornal local: «A situação é realmente insustentável, mas não só do ponto de vista dos indígenas, povo visivelmente manipulado, discriminado e marginalizado, mas também da parte produtora rural que, em nossa região, tem sofrido as mais severas amarguras climáticas, o mais profundo abandono político e as mais perigosas ameaças. As invasões ilegais de suas terras adquiridas em plena concordância com a lei, a falta de política de garantia de preços, a ausência de seguro da produção, entre tantas outras adversidades, fazem com que também os produtores rurais se sintam discriminados, marginalizados e perseguidos».

Quando se olha a realidade a partir de si mesmos, todos – índios e produtores rurais – en-contram carradas de razões para defender seus pontos de vista. Para uma solução pacífica e duradoura, porém, ambas as partes precisam aprender a ceder, em vista do bem comum. Contudo, é bom não esquecer que a corda sempre rebenta do lado mais fraco, no caso, os indígenas… Mas, já que Lula tem a faca e o queijo na mão – a autoridade e, sobretudo, o dinheiro – só nos resta esperar que, antes do final de seu governo, índios e agricultores este-jam navegando em águas mais tranquilas…

Dom Redovino Rizzardo

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