Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)

No próximo domingo, as comunidades católicas celebrarão a solenidade litúrgica de Cristo Rei. A festa foi instituída, em 1925, pelo Papa Pio XI, como oposição ao pensamento moderno, que questionava a hegemonia política e cultural do cristianismo. Outras Igrejas Cristãs (anglicana, luterana, metodista, presbiteriana) também dão este título a Jesus, a seu modo.  

Hoje, o tratamento de Jesus Cristo como rei ressoa à maioria dos cristãos como estranha e incômoda. Com a crescente popularização da leitura e dos estudos bíblicos, os cristãos percebem que os atributos de Filho de Deus, Filho do Homem, Pastor, Senhor, Salvador, Mestre e Irmão são muito mais frequentes e conformes à vida e a missão de Jesus. 

De fato, a ideia de realeza de Jesus não aparece com ênfase no Novo Testamento, e, quando aparece, está ligada à imagem de Messias. Jesus parece aceitar esse título quando, estando preso, é questionado por Pôncio Pilatos (cf. Mt 27,11; Mc 15,2; Lc 23,3 e Jo 18,33-39). Fora do contexto da condenação, essa denominação aparece raramente (em Jo 1,49 e 1Cor 15,24). 

Tanto os parcos dados bíblicos como a ambiguidade historicamente demonstrada das monarquias, assim como o seu progressivo desaparecimento, pedem muito cuidado na aproximação de Jesus com a figura do rei. É importante ler atentamente e interpretar corretamente os textos nos quais Jesus é tratado como rei, especialmente João 18,33-39. 

No momento em que ‘Jesus Nazareno’ é rejeitado como líder e está preso, Pilatos pergunta ironicamente se ele se assume como “o rei dos judeus”. O artigo é definido, e se refere ao rei que exerce o poder sobre o povo judeu naquele momento. Jesus responde com altivez, e Pilatos deixa claro que Jesus havia sido traído e renegado pelo povo do qual seria rei. 

A resposta de Jesus a Pilatos sublinha seu modo de liderar: sem a força das armas e sem a imposição do domínio. Jesus mostra que não é rei ou líder como os demais. Sua força repousa na persuasão, vem ‘de cima’, do amor que afirma a dignidade e comunica vida a todas as pessoas. E todas as pessoas têm o direito de aceitar ou não o seu senhorio.  

Segundo o texto, Jesus não é “o rei dos judeus” porque seu reino não se limita a Israel. Seu povo abrange a humanidade inteira e se baseia na Verdade, que é a dignidade de todas as Criaturas e a compaixão do Criador. Jesus é mais próximo do servo que do rei, do escravo que do senhor. Ele é mais parecido com um pobre despojado que com um rico bajulado.  

O cristianismo nasce de um Cristo servo e pobre, e isso tem consequências eclesiais: “A Igreja reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem do seu Fundador pobre e sofredor. Assim como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, a Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da salvação” (Lumen Gentium, § 8).   

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