Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará

O que estamos para fazer no Domingo de Ramos remonta aos primeiros séculos da vida da Igreja. Nós não inventamos o modo de celebrá-lo, mas somos herdeiros de uma prática tão antiga quanto frutuosa. Uma peregrina, de nome Etéria, assim encontrou e descreveu em livro as celebrações em Jerusalém: “No domingo em que se entra na semana pascal aqui chamada semana maior, celebram-se, desde o primeiro cantar dos galos até de manhã, as cerimônias costumeiras no local da Ressurreição e junto à Cruz, o que quer dizer que vão, como sempre, à igreja maior, chamada ‘Martírio’ por estar situada no Gólgota, isto é, atrás da Cruz onde o Senhor padeceu e daí o seu nome. À sétima hora, todo o povo, e também o bispo, sobem à igreja do Monte das Oliveiras, recitam hinos e antífonas adequados a esse dia e lugar e igualmente leituras. Por volta da hora nona, entoando hinos, sobem ao lugar de onde subiu o Senhor aos céus. Também aí recitam hinos e antífonas apropriadas ao lugar e ao dia e, igualmente, leituras intercaladas e orações.  Aproximando-se a undécima hora, leem o passo do Evangelho segundo o qual as crianças correram ao encontro do Senhor com ramos e palmas dizendo: ‘Bendito seja o que vem em nome do Senhor’ (Mt 21,8-9). Levantam-se, imediatamente, o bispo e todo o povo e, do alto do Monte das Oliveiras, descem todos a pé. E caminha todo o povo à frente do bispo, entoando hinos e antífonas e repetindo sempre ‘Bendito seja o que vem em nome do Senhor’. E todas as crianças da região, até mesmo as que, pela pouca idade, não podem andar pelos seus próprios pés e que os pais carregam ao colo, todas levam ramos de palmas ou de oliveiras; e acompanham o bispo tal como foi acompanhado o Senhor. Do alto do monte até a cidade e daí até o local da Ressurreição, através de toda a cidade. O caminho todo perfazem-no todos a pé, mesmo as senhoras e os chefes; todos cantando, acompanham o bispo lentamente, para que se não canse o povo; e, continuando sempre, chegam, já tarde, à ‘Ressurreição’. Fazem uma nova oração junto à Cruz e dispersam-se”.

A Semana “maior” de nossos dias também começa com o Domingo de Ramos. Vamos percorrer a estrada, passando com Jesus e seus discípulos por Betfagé e Betânia para chegar a Jerusalém. Betfagé, “casa dos figos”, lugar em que Jesus fez secar uma figueira (Mc 11,12-14.19-21). O discípulo de Jesus há de entender que agora começa um tempo novo, pois as árvores antigas secaram, e um novo templo, o do Corpo de Jesus (Mc 11,13-17). Betânia foi um lugar muitas vezes visitado por Jesus (Cf. Mc 11,11-12). Depois da entrada em Jerusalém, volta para lá, e este nome significa “casa do Pobre”, ou “Casa da dor”. De fato, o Messias caminha para o sofrimento! Como na Escritura os lugares são mais do que pontos geográficos, o Monte das Oliveiras, onde as profecias indicavam como próprio da vinda de Deus (Cf. Zc 14,3-7), faz parte do caminho. Enfim, chega a Jerusalém, rei justo e vitorioso (Cf. Zc 9,9); Cf. Gn 49-11), o Messias, que vem para passar pelo mistério da morte para chegar à ressurreição.

Aquele que vem cavalgando um jumentinho, montaria própria dos tempos de paz, na prática dos povos antigos, entra em nossas cidades e em nossa vida e é reconhecido e aclamado, como as pessoas que o acolheram às vésperas de sua paixão: “Muitos estenderam seus mantos no caminho, enquanto outros espalharam ramos apanhados no campo. Os que iam à frente e os que vinham atrás clamavam: ‘Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o Reino que vem, o Reino de nosso Pai Davi! Hosana no mais alto dos céus!'” (Mc 11,8-10). Ele é aclamado com hosanas por ser portador de salvação e vitória! (Cf. Sl 117,25)

Entretanto, não fazemos uma encenação! Desejamos acolher na alma e na vida quotidiana o mistério de Cristo. Para entender bem a história do mundo, o passado, o presente e o futuro do mundo, assim como a presença de Jesus e nossa vida pessoal, os cristãos só possuem uma coisa a oferecer: “O diz a Escritura? ‘A palavra está perto de ti, em tua boca e em teu coração’. Essa palavra é a palavra da fé que pregamos. Se com tua boca confessares que Jesus é Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10,8-9). Queremos proclamar o senhorio de Cristo!

Chegamos ao final de mais uma caminhada quaresmal, revendo os passos da fé que professamos e deixando-nos conduzir, de forma a celebrar bem a Semana Santa. O grande mistério da Morte e Ressurreição do Senhor se apresenta de novo e sempre novo, para iluminar nossa vida e suscitar a renovação de nossos compromissos batismais, na grande Vigília Pascal, a mais expressiva e importante celebração da Igreja, à qual todos os homens e mulheres de fé são convocados.

Venham proclamar e acolher o Senhor todos os que estão machucados pela vida e pelo sofrimento. Venham aqueles que vivem crises profundas ou são tocados pelas dolorosas crises econômicas, políticas e sociais de nossos dias. Venham as pessoas que trazem perguntas e provocações, pois nossas ruas se tornam seu lugar para o encontro com aquele que é Caminho, Verdade e Vida. Venham os povos feridos pelas violências de todo tipo, para o encontro com o Príncipe da Paz! Ele vem ao encontro de todo o mistério humano, por mais desafiador que seja. Venham aqueles que apenas vislumbram o sentido da vida em Jesus Cristo, pois ele é a única esperança para a humanidade!

Sem receio, estendamos os mantos de nosso orgulho e convencimento, despojemo-nos de tudo o que pretende defender-nos de Deus, de sua Palavra e de sua Igreja. Recolhamos os ramos de nossas muitas espécies de palmeiras para fazer um maço de folhas e flores (Cf. Lv 23,40; 2 Mc 14,49-51), composto mais de nossa boa vontade e de nosso desejo de fazer o bem. Deixemos de lado nosso acanhamento e participemos das aclamações festivas daqueles que se alegram pela obra realizada por Deus em suas vidas. Neste final de semana, a celebração do Domingo de Ramos seja nosso modo de proclamar que Jesus Cristo é o Senhor de nossa vida!

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