Dom Leomar Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
O Junho Branco busca promover a conscientização e a prevenção ao uso de drogas, especialmente o álcool, substância psicoativa legalizada, porém com efeitos devastadores para a saúde física, mental, social e espiritual da pessoa. A Organização Mundial da Saúde classifica o alcoolismo como uma doença crônica e multifatorial, que exige abordagem interdisciplinar para prevenção, tratamento e reinserção social. Dentro dessa abordagem, a dimensão espiritual tem ganhado cada vez mais reconhecimento como um dos pilares fundamentais de recuperação.
Segundo a OMS, o álcool está relacionado a mais de 3 milhões de mortes anuais no mundo e é fator causal em mais de 200 doenças e agravos à saúde. No Brasil, o consumo abusivo de álcool é uma das principais causas de internações psiquiátricas, acidentes e violência doméstica. Além dos danos físicos e psicológicos, o alcoolismo provoca rupturas familiares, perda de sentido existencial e profunda solidão interior.
É neste ponto que a espiritualidade cristã emerge como força transformadora, capaz de restaurar vínculos, reintegrar a dignidade e curar as feridas da alma. A fé em Jesus Cristo, que veio “curar os corações feridos” (cf. Lc 4,18), revela-se como âncora de esperança para quem vive a dor da dependência.
Estudos clínicos e experiências em comunidades terapêuticas e pastorais apontam que a vivência espiritual:
Reduz índices de recaída;
Melhora a adesão ao tratamento;
Reforça a autoestima e o sentido da vida;
Promove perdão, reconciliação e novos projetos existenciais.
A OMS, no relatório “Saúde Mental: Fortalecendo nossa resposta” (2014), reconhece a espiritualidade como fator determinante de saúde mental e recomenda que as políticas públicas de saúde integrem abordagens espirituais de forma respeitosa e eficaz. Ou seja, não se trata de doutrinação religiosa, mas de reconhecer que sem tocar o nível mais profundo da pessoa — o espiritual — o processo de cura fica incompleto.
A fé cristã oferece uma contribuição singular no processo de superação da dependência. Ela apresenta Jesus Cristo como médico das almas e dos corpos, e sua proposta de amor, misericórdia e verdade oferece um caminho concreto de libertação. O encontro com Cristo, vivido na oração, nos sacramentos e na vida comunitária, pode devolver ao dependente a identidade de filho amado de Deus.
Além disso, a Igreja Católica, por meio de pastorais, movimentos e comunidades terapêuticas de inspiração cristã, tem oferecido acompanhamento humano, espiritual e social a milhares de pessoas, sendo uma verdadeira rede de cuidado e salvação.
Diante da complexidade do problema das drogas e, em especial, do alcoolismo, é urgente que as políticas públicas de combate e prevenção passem a considerar a espiritualidade como elemento essencial no processo terapêutico. Isso exige:
Formação de profissionais de saúde para acolher e respeitar a dimensão espiritual do paciente;
Parcerias com entidades religiosas e comunidades terapêuticas sérias;
O reconhecimento das experiências de fé como recurso terapêutico legítimo.
Urge, portanto, o reconhecimento do papel essencial da espiritualidade. Ignorar essa dimensão é limitar a esperança. Integrá-la é apostar na plena recuperação da pessoa humana, em sua dignidade, liberdade e vocação à vida em plenitude.
