Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ) 

 

 

 

Laudate Deum: o novo alerta de Papa Francisco para a humanidade 

A natureza é testemunha da glória de Deus, desde o princípio. Ele a criou muito antes da humanidade. Depois, viemos nós. “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos. Um dia fala disso a outro dia; uma noite o revela a outra noite.” (Sl 19,1-2) E nela, Deus nos inseriu. É um milagre tão evidente que chega a ser difícil explicar. Dependemos de tudo à nossa volta, tudo o que natural. E tudo o que natural, à nossa volta, também depende de nós.  

Mas a palavra “natureza” vem do latim “natura” que, por sua vez, é formado pela combinação de duas palavras latinas: “natus” (nascido) e “ura” (a partir de). “Natureza”, portanto, nos leva à ideia de algo que nasce ou é originado, algo que surge de forma intrínseca e inata, como o mundo natural e todos os elementos que o compõem.  

Usamos a palavra “natureza” para se referir ao ambiente natural, ao mundo físico e aos fenômenos que ocorrem nele, incluindo seres vivos, paisagens, climas e tudo o que não é resultado direto da intervenção humana. Mas para nós, “natureza” é a materialidade de Deus. Assim, qualquer ato nosso que resulte em dano à natureza, estamos, na verdade, afetando quem nos criou. 

Essa reflexão me veio à tona depois de ler a mais recente Exortação Apostólica divulgada no dia 4 de outubro de 2023 pelo Vaticano, a “Laudate Deum”, –https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/20231004-laudate-deum.html em que o Papa Francisco fortemente preocupado com os rumos de nossos atos, faz um alerta “a todas as pessoas de boa vontade sobre a crise climática”. Este, aliás, é o seu segundo alerta sobre o mesmo tema — o primeiro ocorrera em 24 de maio de 2015, na encíclica “Laudato, si’”. Junto com o alerta, a constatação do Santo Padre é que nada mudou em oito anos. Ao contrário, o processo de degradação — e suas consequências — segue seu curso, até agora, inevitável. 

Veja o resumo que Papa Francisco nos apresenta em “Laudate-Deum”: “A origem humana — «antrópica» — da mudança climática já não se pode pôr em dúvida. A concentração na atmosfera dos gases com efeito estufa, que causam o aquecimento global, manteve-se estável até ao século XIX: abaixo das 300 partes por milhão em volume. Mas, a meados daquele século, em coincidência com o progresso industrial, as emissões começaram a aumentar. Nos últimos cinquenta anos, o aumento sofreu uma forte aceleração, como atesta o observatório de Mauna Loa que efetua, desde 1958, medições diárias do dióxido de carbono. Estava eu a escrever a Laudato si’, quando se atingiu o máximo histórico — 400 partes por milhão — chegando, em junho de 2023, a 423 partes por milhão. Considerando o total líquido das emissões desde 1850, mais de 42% ocorreram depois de 1990.” 

São dados concretos, contra os quais, embora alguns tenham objeções, uma análise honesta considera que estamos, sim, colocando nossa existência em risco. Como disse o Papa, a imensa maioria da comunidade científica dedicada aos estudos climáticos diz que mudanças no clima são parte da história do nosso planeta. Porém, a interferência humana está acelerando assustadoramente esse processo, a ponto de chegarmos a um momento de não retorno, em que uma solução não seja mais possível. 

O Santo Padre também, analisa, corajosamente, as consequências do poder e, também, sua interferência nas decisões que ignoram a necessidade de cuidados da natureza.  

“Todos nós devemos repensar a questão do poder humano, do seu significado e dos seus limites. Com efeito, o nosso poder aumentou freneticamente em poucas décadas. Realizamos progressos tecnológicos impressionantes e surpreendentes. Sem nos darmos conta, ao mesmo tempo, nos tornamos altamente perigosos, capazes de pôr em perigo a vida de muitos seres e a nossa própria sobrevivência. É preciso lucidez e honestidade para reconhecer a tempo que o nosso poder e o progresso que geramos estão a virar-se contra nós mesmos.” 

No livro de Provérbios (Pr 16,18), há uma advertência poderosa sobre a arrogância e o orgulho que, muitas, vezes acompanham o poder: “A soberba precede a destruição, e a altivez do espírito precede a queda”. Eis uma sugestão de que, quando alguém se torna excessivamente confiante ou arrogante devido ao seu poder, isso pode levar à sua própria destruição ou queda. Assim, a Bíblia nos lembra da necessidade de humildade e moderação ao exercer poder, pois o abuso ou a má administração do poder podem ter consequências perigosas. 

O Santo Padre o Papa Francisco critica as potências mundiais — os maiores geradores de poluição no mundo — que pouco ou nada fazem, na prática, para interromper o avanço da degradação. Uma pequena parcela mais rica polui quase metade das riquezas naturais que tem desequilibrado o clima em nosso planeta. 

E o que podemos fazer? Temos responsabilidade nisso? 

A “Laudate-Deum” é um documento que deveria ser lido em casa e discutido com toda a família. Todos nós devíamos nos preocupar com a preservação daquilo que temos de mais importante — e que não dependeu de dinheiro nenhum para ser criado: a nossa morada.  

É um alerta do Santo Padre repleto de informações relevantes que ajudam a explicar o que provoca e clima “doido” que a gente tem presenciado — um calor insuportável no inverno; temporais curtos com grande poder de destruição; seca na Amazônia e tantas outras ocorrências. Essas coisas estão relacionadas ao modo como vivemos. Devemos repensar nossos hábitos para que as próximas gerações possam continuar usufruindo da vida aqui na terra.  

Que Nossa Senhora Aparecida neste outubro, que é Mês das Missões e do Rosário, interceda por nós, para que possamos compartilhar as palavras do Papa Francisco e refletir que o clima “doido” é um alerta e um pedido de socorro do nosso planeta, que é um objeto vivo. Tudo o que fizermos pela nossa terra — bem ou mal —, estaremos fazendo para Deus, que criou tudo o que existe. 

 

 

 

 

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