Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
No dia 04 de outubro de 2023, na festa de São Francisco, o Papa Francisco publicou a Exortação Apostólica “Laudate Deum” (LD), com a qual deu continuidade e fez uma atualização da Encíclica “Laudato Sì”. Com essa nova Exortação Apostólica, o Papa Francisco chama a atenção para as mudanças climáticas e seus impactos na vida das pessoas e no meio ambiente. Em tom profético, o Papa nos alerta sobre os riscos para o futuro da vida e da vida humana na Terra. Com a tecnociência, nos tornamos poderosos e “altamente perigosos, capazes de pôr em perigo a vida de muitos seres e a nossa própria sobrevivência” (LD 28).
As alterações climáticas são um problema social global que afeta a dignidade da vida humana, cujos efeitos recaem sobre as pessoas mais vulneráveis. “A mudança climática não se trata de uma questão secundária ou ideológica, mas de um drama que nos prejudica a todos” (LD, n. 2). As evidências do aquecimento global são cada vez mais visíveis, negar sua existência é inadequado, pois estamos testemunhando uma aceleração significativa do aquecimento (LD, n.3). “Infelizmente, a crise climática não é propriamente uma questão que interessa às grandes potências econômicas, preocupadas em obter o maior lucro ao menor custo e no mais curto espaço de tempo possíveis” (LD, n. 13).
O Papa também aponta a origem humana das mudanças climáticas, destacando que as emissões de gases do efeito estufa aumentaram significativamente desde a Revolução Industrial (LD, n. 11-13). Portanto, faz-se necessária uma visão mais ampla para abordar a questão climática que leve em consideração não apenas o progresso, mas também os efeitos negativos da intervenção humana na natureza.
A crise climática ultrapassa uma abordagem meramente ecológica e envolve uma compreensão transversal, capaz de lançar luz sobre os desafios ambientais e proteger os direitos humanos fundamentais, bem como exige o cultivo de uma espiritualidade que nos faça perceber que estamos todos interligados e que não se pode compreender nem sustentar a vida humana sem as outras criaturas. De fato, “nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde” (LD 67).
Considerando o problema ambiental à luz da fé, o Papa Francisco destaca a importância da relação entre Deus, a humanidade e a natureza. Não podemos perder de vista que Deus é o dono de toda a Terra e que os seres humanos são apenas seus hóspedes e cuidadores, o que implica uma responsabilidade para respeitar as leis da natureza e os equilíbrios naturais (LD 62). Um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus se torna o pior perigo para si mesmo, por isso é preciso destacar a importância da humildade e do respeito pela criação divina.
Tendo presente que o criado é um organismo vivo, em que tudo está interligado e nos remete ao Criador, o Papa aprofunda a crítica ao paradigma tecnocrático, que coloca a tecnologia e a economia acima do cuidado com o meio ambiente e a dignidade da pessoa humana (LD 21-28). Ele nos adverte ainda que esse paradigma pode nos alienar da natureza e “isolar-nos daquilo que nos rodeia e enganar-nos fazendo esquecer que o mundo inteiro é uma ‘zona de contato'” (LD, n. 66). Jamais podemos perder de vista que a vida humana está intrinsecamente ligada a todas as outras criaturas. Tal percepção nos leva a um respeito e amor sagrado por toda a criação. As criaturas do mundo não são meros objetos naturais, mas estão envolvidas pela presença luminosa do Ressuscitado, pois o criado nos remete ao Criador (LD 65).
A superação da crise climática requer o cultivo de uma espiritualidade de comunhão e “reconciliação com o mundo que nos abriga” (LD 69), bem como uma mudança de mentalidade, para adotarmos, ao lado de decisões políticas, uma cultura do cuidado com o meio ambiente e um estilo de vida mais austero (LD 71-72). A “Laudate Deum” conclui destacando a importância de agir de forma decisiva para evitar o agravamento das mudanças climáticas e suas consequências devastadoras e estimula os líderes a considerarem o bem comum e o futuro das gerações que nos sucederão ao tomar decisões sobre o meio ambiente.