Liberdade assistida já

Dom Leonardo de Miranda Pereira

Sempre que a mídia anuncia o envolvimento de adolescentes em ato infracional vem à tona a discussão sobre o rebaixamento da idade penal. Lembremos, por exemplo, o doloroso episódio do garoto “João Hélio”, no Rio de Janeiro, com a participação de um adolescente. Quem não se lembra? O requinte de perversidade – uma criança presa a um cinto de segurança de um carro e arrastada, do lado de fora do veículo, por sete quilômetros – criou o mais forte impacto emocional e, em meio a opiniões divergentes, pôs lenha na discussão. Voz geral: o adolescente que também participou do hediondo crime deveria ser exemplarmente castigado como os demais.

O castigo serviria, andaram propalando, de advertência aos adolescentes que certamente se exporiam menos. E é nessas ocasiões ou diante de tais ocorrências que autoridades parlamentares, para não dizer o Congresso Nacional, caixa de ressonância da sociedade brasileira, sob pressão da própria sociedade, fazem seu retórico “mea-culpa”. Procuram tirar do baú de sua demagogia ou de suas negligências alguns projetos meio adormecidos, visando a introduzir alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Por exemplo, a proposta de rebaixar de 18 para 16 anos o limite da idade penal, como se isso pura e simplesmente resolvesse o problema da violência ou de atos infracionais praticados por adolescentes. É claro que a redução da maioridade penal não vai reduzir ou acabar com o envolvimento de adolescentes em ato infracional. Para acabar ou ao menos diminuir a violência e as infrações da lei é necessário ir à fonte geradora do ato infracional. E aí está a fraqueza da sociedade e dos responsáveis, por exemplo, diante do crime organizado, do aliciamento de crianças e adolescentes etc. Todo mundo sabe que, de maneira geral, os adolescentes primeiramente caem na rede do aliciamento – a começar por membros da própria família –, vítimas de um modelo sociopolítico corrompido e ultrapassado. Por isso, o rebaixamento da idade penal me parece como a inútil precaução de querer tapar o sol com a peneira.

É um raciocínio fácil ou superficial, ditado pela lei do menor esforço. Sim, sem dúvida, é uma solução fácil que esconde a má vontade ou o equívoco de autoridades e responsáveis no enfrentar um caminho mais difícil, mais desafiador, sem dúvida, porém mais certo, mais eficiente: investir em projetos sócio-educativos, como previstos pelo ECA, que respeitem as condições próprias da adolescência. Que mostrem aos adolescentes uma forma de reparação e recuperação de seus erros, mas sem maiores traumas. Mais que isso. Que criem e dêem consistência a políticas públicas de inserção no próprio lar, a programas de acompanhamento às famílias desses adolescentes, empenho e acompanhamento ao retorno continuado dos garotos à escola, facilitando-lhes o convívio social e possibilitando inclusive e quanto possível seu ingresso no mercado de trabalho, dentro das normas legais. Enfim, sejam elaborados Projetos que lhes assegurem uma qualidade de vida para que não retornem à criminalidade. É precisamente o que propõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu todo, mas particularmente quando trata das “medidas socioeducativas”, cujas disposições gerais encontram-se previstas nos arts. 112 a 130 do ECA. (Lei nº 8.069/90), aplicáveis a adolescentes que incidem na prática de atos infracionais. As Medidas Sócioeducativas respeitam a capacidade do adolescente em cumpri-las. Levam em consideração as circunstâncias em que o ato infracional foi praticado e a gravidade da infração, pois cada adolescente traz consigo sua história e trajetória. Elas são descritas no ECA em seu art.112:

  1. Advertência;
  2. Obrigação de reparar o dano;
  3. Prestação de serviço à Comunidade;
  4. Liberdade Assistida;
  5. Inserção em regime de semiliberdade;
  6. Internação em estabelecimento educacional;
  7. Qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

De todas essas medidas, sem dúvida, a mais completa e eficiente é a “Liberdade Assistida” (LA). Pena que nem todo mundo entenda assim. Quanta gente, infelizmente, acusa o ECA. Há quem até queira responsabilizar o ECA pelo aumento da violência. Diante de qualquer ocorrência, há quem diga: é isso mesmo. Agora, com o Estatuto, os meninos acham que podem fazer o que quiserem. Que pena! Até quando vamos esperar para que a sociedade compreenda e não dê passos para trás? E com isso, autoridades policiais, judiciárias ou políticas, por exemplo, prefeitos municipais, lavam as mãos e/ou partem para uma desnecessária reprimenda ou não se interessam por ver implantado o Projeto LA.

Louvo e agradeço a Deus que não é bem o caso de Paracatu. Não me apresento como modelo. Mas, alegra-me constatar que, dentro de nossas limitações e possibilidades, o Projeto LA vai avançando. Iniciamos o Projeto Liberdade Assistida, em Paracatu, a partir de março de 2006, incluídos que fomos, casualmente, no Convênio da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente com a Pastoral do Menor Nacional. Foi nossa primeira experiência. Duvido que não tenham ocorrido falhas. Mas, permito-me dizer que os resultados foram satisfatórios. As metas foram razoavelmente alcançadas. Encerrado o convênio, a Pastoral do Menor de Paracatu, já com um pouco de experiência, disposta a levar à frente o Projeto, propôs parceria com a Prefeitura Municipal, para dar continuidade à Liberdade Assistida. É o que vem acontecendo. O Projeto prossegue, pois, e com resultados surpreendentes. São poucos, relativamente, os casos de reincidência e, comprovadamente, reincidência em ocorrência menos grave do que a que levou o adolescente ao regime de Liberdade Assistida. Muitos adolescentes infratores retornaram ao lar e à escola. Sem dúvida, nosso Projeto Liberdade Assistida está dando certo. Como em muitos outros lugares. Então, por que não implantar a Liberdade Assistida em todos os municípios?

A Política Nacional dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, consubstanciados no Plano Decenal, está aí a exigir uma resposta concreta imediata da sociedade, das autoridades, particularmente dos Executivos Municipais. Por isso, saudamos a elaboração, em boa hora e já em andamento, do Plano Decenal dos Direitos de Crianças e Adolescentes que, evidentemente, consagra um importante parágrafo sobre o atendimento socioeducativo, de acordo com uma nova concepção de política de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, amparada por diversos e consistentes instrumentos jurídicos até de caráter internacional. Que agentes das Igrejas, a PASTORAL DO MENOR, lideranças da sociedade civil, clubes de serviço e outras instituições se unam nesse decidido propósito: Liberdade Assistida, já. E respeito à “cláusula pétrea” do limite estabelecido pela Lei maior para a idade penal: 18 anos. Uma grande conquista do Brasil que não deve ser desprezada, mas respeitada.

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