Liberdade Religiosa, caminho para a Paz

Dom Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)

Sob esse título, a mensagem do Santo Padre Bento XVI para a celebração do Dia Mundial da Paz nos é apresentada como uma luz forte a iluminar o nosso caminho no ano da graça de 2011. Perpassando as páginas da História, elas estão, muitas e muitas vezes, manchadas pelo sangue dos mártires que tiveram a firmeza de atestar sua fé diante do poder que desconhecia que a liberdade religiosa está radicada na própria dignidade da pessoa humana e, daí, a urgência do tema.

Como fato recente, relembra o Pontífice Romano no início da sua mensagem, o atentado de Bagdá, onde foram massacrados sacerdotes e fieis em pleno culto. Não é um fato isolado. Persiste e, lamentavelmente, vemos um recrudescimento nos atos e violência contra a liberdade de se professar a fé, particularmente, a fé católica.

O direito à vida não se resume no fato biológico. Dotado de razão, o homem transcende, no seu direito, os horizontes de uma vida limitada no espaço e no tempo. Seu pensar, sua liberdade não se limitam nas realidades finitas, mas no destino da vida radicado na própria dignidade pessoal. Sem que lhe seja permitida a abertura para o transcendente na sua vida individual e também no convívio comunitário, pois não é um ser isolado, tolhe-se a sua dignidade pessoal e rompe-se a expressão social onde se manifesta a comunhão dos mesmos ideais.

Expõe o Papa na sua Exortação: “Esta dignidade, entendida como capacidade de transcender a própria materialidade e buscar a verdade, há de ser reconhecida como um bem universal, indispensável na construção duma sociedade orientada para a realização e a plenitude do homem. O respeito de elementos essenciais da dignidade do homem, tais como o direito à vida e o direito à liberdade religiosa, é uma condição da legitimidade moral de toda a norma social e jurídica.”

Nenhum poder humano, seja ele estatal, de grupos autônomos ou mesmo outra pessoa pode impossibilitar a alguém o exercício da liberdade de manifestar e confessar sua crença, origem e fundamento da liberdade moral.  A liberdade se explicita no exercício do próprio direito, no respeito ao direito alheio e no objetivo do bem comum.

E “a liberdade religiosa deve ser entendida não só como imunidade da coação, mas também, e, antes ainda, como capacidade de organizar as próprias opções segundo a verdade”.

A abertura da mente para a Verdade e para Deus orienta a ação humana para o respeito recíproco na procura da paz e do desenvolvimento. Supera as motivações e interesses exclusivamente individuais e busca uma sociedade fraterna, a construção de um crescimento social harmônico.

E o reconhecimento da liberdade religiosa reforça a índole do Poder na construção da justiça e da paz à luz da Verdade e do Bem.
A liberdade religiosa não se entende como patrimônio exclusivo dos que têm fé. Antes, é elemento imprescindível a um Estado de Direito.  Abrange o direito dos crentes e não crentes, no respeito mútuo à liberdade pessoal e na aspiração do bem do grupo social. Não pode ser negada, diz o Papa, “sem ao mesmo tempo minar todos os direitos e as liberdades fundamentais, pois é a sua síntese e ápice”.

É inegável o benefício que o homem e as instituições religiosas prestam à sociedade.  Sua atividade não se limita apenas ao âmbito da assistência social, comprovada através dos séculos, mas, e sobretudo, à dimensão ética do Poder.

O patrimônio de princípios e valores expressos por uma religiosidade autêntica é uma riqueza para os povos e respectivas índoles.

Não se pode aceitar, contudo, uma instrumentalização da liberdade religiosa para mascarar interesses partidários e subversão da ordem a que levam o fanatismo religioso e o fundamentalismo com práticas incompatíveis com o respeito à dignidade humana ou que se tentam impor pela violência.

A liberdade religiosa se contém no conceito da laicidade do Estado, isto é, na garantia da lei sobre o direito de vivência na fé e de sua expressão no culto e na cultura.  Nesse ambiente, desenvolve-se o diálogo dos princípios ético-políticos em vista do bem comum e da própria convivência inter-religiosa entre grupos na aspiração da unidade na Verdade.

“A paz é um dom de Deus e, ao mesmo tempo, um projeto a realizar, nunca totalmente cumprido.” Uma sociedade que tem a lei de Deus como referência, certamente forma um estado de elevada cultura moral e espiritual que inspira o direito no respeito recíproco tanto entre os cidadãos, como no relacionamento entre os povos. Motiva o trabalho e projeta o desenvolvimento. Um povo livre e respeitado, inclusive e, sobretudo, pelo Poder, é a maior garantia da paz.

A mensagem conclui com um convite para que a sociedade atual, com ênfase na juventude, principal preocupação de nosso coração de Pastor, encontre na fé uma referência estável na conquista da liberdade: “a Verdade vos libertará”.

Em síntese final, o Papa Bento XVI cita o saudoso e venerável Paulo VI: “é preciso, antes de tudo, proporcionar à Paz outras armas, que não aquelas que se destinam a matar e a exterminar a humanidade. São necessárias sobretudo as armas morais, que dão força e prestígio ao direito internacional; aquela arma, em primeiro lugar, da observância dos pactos.

Celebremos o dia 1º de janeiro, Dia Mundial da Paz! Sob a proteção da Bem Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, Mãe da Igreja e nossa Mãe, no Rio de Janeiro carinhosamente velada do alto do Morro como Senhora da Penha, peçamos que Ela nos ajude a viver a concórdia, o perdão, a misericórdia e a partilha, para que assim, nos próximos dias e meses do vindouro ano, esforcemo-nos para a realização do anseio profético do salmista, cantando e vivendo no cotidiano, o dia em que a justiça e a paz se abraçarão.

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