Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira
Bispo da Prelazia do Marajó (PA)

 

No Evangelho do 15º Domingo do Tempo Comum, Ano C de nossa Liturgia, Lucas 10, 25-37 – temos usa do fato da vida do Bom Samaritano, para ensinar ao Mestre da Lei em seu tempo e hoje a nós o que devemos fazer para receber como herança a vida eterna. Jesus lhe provoca e ele mesmo responder: amar a Deus e amar ao próximo como a si mesmo.

O mestre querendo fugir da realidade, a partir do que Jesus estava lhe ensinando, perguntou a Jesus quem é o meu próximo. Jesus, também aqui, não dá a resposta pronta. Jesus responde contando a parábola do Bom Samaritano e no fim ajuda o Mestre da Lei a entender que a pergunta é outra, ou seja, não deve ser quem é o meu próximo, mas, sim de quem eu estou sendo próximo. Disse Jesus ao Mestre da Lei, “na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? Ele respondeu: aquele que usou de misericórdia para com ele. Jesus disse: Vai e faze a mesma coisa” (vv. 36-37).

Jesus assim nos ensina que para herdar a vida eterna, precisamos ir ao encontro dos “assaltados” de nosso tempo, jogados à margem (à beira do caminho) e ter compaixão, aproximar-se, cuidar, socorrer, ser solidário, gastar tempo com os empobrecidos, excluídos e marginalizados de nossa sociedade.

Que possamos refazer a história da parábola e aplicá-la a nós, hoje:

A pessoa que cai nas mãos dos assaltantes: esta pessoa assaltada se atualiza em todas as pessoas que têm seus direitos assaltados, negados: trabalhadores, os sem saúde, sem educação, sem assistência social, os prejudicados com o desvio de dinheiro público, os que ficam sem política públicas porque a maioria dos deputados federais e senadores votaram contra a criação de um imposto para quem ganha muito, para assim isentar do imposto de renda quem ganha menos, os prejudicados com as famigeradas emendas secretas de deputados e senadores…

Sacerdote e Levita que vêem o homem caído, quase morto e foram indiferentes, seguiram adiante para chegar logo no templo para rezar. Estes podemos ser cada um de nós, quando, também, somos indiferentes com a situação das pessoas que são vítimas das injustiças e por isto sofrem, são excluídas, vivem à margem da sociedade. Pensemos se a gente, também, não faz assim, deixa o pobre sofrendo, abandonado, e vamos para a Igreja celebrar a Eucaristia, rezar o terço, fazer adoração a Cristo na Eucaristia, participar de uma reunião para organizar o Círio de Nazaré, ensaiar os cantos…

Samaritano: inimigo dos judeus, estava viajando. Interrompeu a viagem, viu, sentiu compaixão, aproximou-se, fez curativos, colocou em seu animal, levou a uma pensão, cuidou dele, pagou a despesa da pensão, pediu para tomarem conta dele, compromete-se a pagar a diferença na volta de sua viagem. Hoje o samaritano somos nós, quando temos compaixão dos empobrecidos, dos sofredores, fazemo-nos presente na vida deles (aproximar-se), buscamos ajudá-los (fez curativos), nos solidarizamos efetivamente (levar para a pensão e pagar), incentivamos a outras pessoas a serem solidárias e ajudarem (recomendou que tomasse conta dele). Poderemos ser um bom samaritano sozinho, um a boa samaritana sozinha ou comunitariamente através de uma das pastorais sociais de nossa Igreja ou de uma ONG – Organização não Governamental.

O Papa Francisco na Carta Encíclica Fratelli Tutti sobre a fraternidade e a amizade social dedica o capítulo dois para comentar esta parábola. Vale a pena a gente ler na íntegra esta catequese. Partilho aqui alguns de seus ensinamentos:

Fratelli Tutti nº 63. Conta Jesus que havia um homem ferido, estendido por terra no caminho, que fora assaltado. Passaram vários ao seu lado, mas… foram-se, não pararam. Eram pessoas com funções importantes na sociedade, que não tinham no coração o amor pelo bem comum. Não foram capazes de perder uns minutos para cuidar do ferido ou, pelo menos, procurar ajuda. Um parou, ofereceu-lhe proximidade, curou-o com as próprias mãos, pôs também dinheiro do seu bolso e ocupou-se dele. Sobretudo deu-lhe algo que, neste mundo apressado, questionamos tanto: deu-lhe o seu tempo. Tinha certa mente os seus planos para aproveitar aquele dia a bem das suas necessidades, compromissos ou desejos. Mas conseguiu deixar tudo de lado à vista do ferido e, sem o conhecer, considerou-o digno de lhe dedicar o seu tempo.

Fratelli Tutti nº 64. Com quem te identificas? É uma pergunta sem rodeios, direta e determinante: a qual deles te assemelhas? Precisamos de reconhecer a tentação que nos cerca de se desinteressar dos outros, especialmente dos mais frágeis. Digamos que crescemos em muitos aspectos, mas somos analfabetos no acompanhar, cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis das nossas sociedades desenvolvidas. Habituamo-nos a olhar para o outro lado, passar à margem, ignorar as situações até elas nos atingirem.

Fratelli Tutti nº 66. É melhor não cair nesta miséria. Fixemos o modelo do bom samaritano. É um texto que nos convida a fazer ressurgir a nossa vocação de cidadãos do próprio país e do mundo inteiro, construtores de um novo vínculo social. Com os seus gestos, o bom samaritano fez ver que «a existência de cada um de nós está ligada à dos outros: a vida não é tempo que passa, mas tempo de encontro».

Fratelli Tutti nº 67. Diante de tanta dor, à vista de tantas feridas, a única via de saída é ser como o bom samaritano. Qualquer outra opção nos deixa ou com os assaltantes ou com os que passam adiante, sem se compadecer com o sofrimento do ferido na estrada. A parábola mostra-nos as iniciativas com que se pode refazer uma comunidade a partir de homens e mulheres que assumem como própria a fragilidade dos outros, não deixam se constituir uma sociedade de exclusão, mas se fazem próximos, levantam e reabilitam o caído, para que o bem seja comum. Ao mesmo tempo, a parábola nos ad verte sobre certas atitudes de pessoas que só olham para si mesmas e não atendem às exigências inevitáveis da realidade humana.

Fratelli Tutti nº 68. Viver indiferentes à dor não é uma opção possível; não podemos deixar ninguém caído «nas margens da vida». Isto deve indignar-nos de tal maneira que nos faça descer da nossa tranquilidade, nos deixando atingir pelo sofrimento humano. Isto é dignidade.

Fratelli Tutti nº 79. O samaritano do caminho partiu sem esperar reconhecimentos nem obrigados. A dedicação ao serviço era a grande satisfação diante do seu Deus e na própria vida e, consequentemente, um dever. Todos temos uma responsabilidade pelo ferido que é o nosso povo e todos os povos da terra. Cuidemos da fragilidade de cada homem, cada mulher, cada criança e cada idoso, com a mesma atitude solidária e solícita, a mesma atitude de proximidade do bom samaritano.

Fratelli Tutti nº 81. O samaritano foi quem se fez próximo do judeu ferido. Para se tornar próximo e presente, ultrapassou todas as barreiras culturais e históricas. A conclusão de Jesus é um pedido: «Vai e faz tu também o mesmo» (Lc 10, 37). Por outras palavras, desafia-nos a deixar de lado toda a diferença e, em presença do sofrimento, fazer-nos vizinhos a quem quer que seja. Assim, já não digo que tenho «próximos» a quem devo ajudar, mas que me sinto chamado a tornar-me eu um próximo dos outros.

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