Dom Genival Saraiva
Bispo Emérito de Palmares (PE)

A cada ano, a fé cristã e a sensibilidade humana se colocam diante de um mistério que lhes fala muito – o nascimento de Jesus. A natureza celebrativa, a participação pastoral e a linguagem simbólica estão intimamente relacionadas, porém, são compreendidas e vivenciadas conforme a formação das pessoas. Na verdade, todos têm diante de si o calendário do Natal; muitos o comemoram como evento social, cultural; outros o vivem, à luz da Revelação, por isso, o celebram na família e na comunidade. Há muitos traços históricos na comemoração do Natal, a começar pelo relato bíblico do Evangelista Lucas; o nascimento de Jesus é um fato histórico; trata-se de um nascimento sem referência antecedente e subsequente da mesma natureza, na história da humanidade. A narração do anúncio do Arcanjo Gabriel (cf. Lc 1, 26-38) tem uma linguagem cuja compreensão escapa aos olhos e à razão de pessoas que não têm a fé cristã. Os judeus consideram Jesus personagem histórico, não creem que ele é o Emanuel, nascido da Virgem Maria, conforme a profecia de Isaías: “Pois bem, o próprio Senhor vos dará um sinal: a virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel” (Is 7, 14). São Lucas fez o registro do nascimento de Jesus, em condições incompatíveis com a dignidade da parturiente e de seu filho, uma vez que Maria deu à luz “numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria”, em Belém. (cf. Lc 2,1-20)

No calendário da Igreja, o ciclo do Natal é vivido, liturgicamente, como preparação, no período do Advento, celebrado no dia 25 de dezembro e prolongado no Tempo do Natal que compreende a Epifania e o Batismo do Senhor, com o qual se inicia o “seu ministério público.” A Imaculada Conceição da Virgem Maria, Solenidade celebrada no dia oito de dezembro, sempre no Advento, aconteceu, por desígnio de Deus, como ensina e reza a Igreja, “em previsão dos méritos de Cristo”. Pastoralmente, é muita expressiva a forma de participação dos fiéis, destacando-se sua preparação através da Novena de Natal, prática que se firmou na vida da Igreja, no Brasil, há mais de cinquenta anos. São muitas as expressões simbólicas que tocam o coração humano, no Ciclo do Natal – coroa do Advento, presépio, estrelas, luzes, velas, sinos, anjos, arvore de Natal, guirlanda, cartões de Natal, ceia, presentes, Papai Noel. Dentre esses, sobressai o presépio que encanta o olhar de todos, notadamente das crianças, em razão da fertilidade de seu imaginário e da riqueza de decodificação, típicas da idade infantil.

Com a sensibilidade pastoral que lhe é peculiar, o Papa Francisco escreveu, recentemente, a Carta Apostólica Admirabile Signum “sobre o significado e o valor do Presépio”. A melhor fonte de compreensão desse documento é a própria palavra do Papa: “O SINAL ADMIRÁVEL do Presépio, muito amado pelo povo cristão, não cessa de suscitar maravilha e enlevo. Representar o acontecimento da natividade de Jesus equivale a anunciar, com simplicidade e alegria, o mistério da encarnação do Filho de Deus. De fato, o Presépio é como um Evangelho vivo que transvaza das páginas da Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo que contemplamos a representação do Natal, somos convidados a colocar-nos espiritualmente a caminho, atraídos pela humildade d’Aquele que Se fez homem a fim de Se encontrar com todo o homem, e a descobrir que nos ama tanto, que Se uniu a nós para podermos, também nós, unir-nos a Ele. Com esta Carta, quero apoiar a tradição bonita das nossas famílias prepararem o Presépio, nos dias que antecedem o Natal, e também o costume de o armarem nos lugares de trabalho, nas escolas, nos hospitais, nos estabelecimentos prisionais, nas praças… Trata-se verdadeiramente dum exercício de imaginação criativa, que recorre aos mais variados materiais para produzir, em miniatura, obras-primas de beleza. Aprende-se em criança, quando o pai e a mãe, juntamente com os avós, transmitem este gracioso costume, que encerra uma rica espiritualidade popular. Almejo que esta prática nunca desapareça; mais, espero que a mesma, onde porventura tenha caído em desuso, se possa redescobrir e revitalizar.”

O Papa faz referência à origem franciscana do Presépio: “As Fontes Franciscanas narram, de forma detalhada, o que aconteceu em Gréccio. Quinze dias antes do Natal, Francisco chamou João, um homem daquela terra, para lhe pedir que o ajudasse a concretizar um desejo: ‘Quero representar o Menino nascido em Belém, para de algum modo ver com os olhos do corpo os incómodos que Ele padeceu pela falta das coisas necessárias a um recém-nascido, tendo sido reclinado na palha duma manjedoura, entre o boi e o burro’.[…] Mal acabara de o ouvir, o fiel amigo foi preparar, no lugar designado, tudo o que era necessário segundo o desejo do Santo. No dia 25 de dezembro, chegaram a Gréccio muitos frades, vindos de vários lados, e também homens e mulheres das casas da região, trazendo flores e tochas para iluminar aquela noite santa. Francisco, ao chegar, encontrou a manjedoura com palha, o boi e o burro. À vista da representação do Natal, as pessoas lá reunidas manifestaram uma alegria indescritível, como nunca tinham sentido antes. Depois o sacerdote celebrou solenemente a Eucaristia sobre a manjedoura, mostrando também deste modo a ligação que existe entre a Encarnação do Filho de Deus e a Eucaristia. Em Gréccio, naquela ocasião, não havia figuras; o Presépio foi formado e vivido pelos que estavam presentes.”

A contemplação do Presépio contém o forte apelo ao fortalecimento da fé cristã no mistério do Natal de Jesus. “Queridos irmãos e irmãs, o Presépio faz parte do suave e exigente processo de transmissão da fé. A partir da infância e, depois, em cada idade da vida, educa-nos para contemplar Jesus, sentir o amor de Deus por nós, sentir e acreditar que Deus está conosco e nós estamos com Ele, todos filhos e irmãos graças àquele Menino Filho de Deus e da Virgem Maria. E educa para sentir que nisto está a felicidade. Na escola de São Francisco, abramos o coração a esta graça simples, deixemos que do encanto nasça uma prece humilde: o nosso ‘obrigado’ a Deus, que tudo quis partilhar conosco para nunca nos deixar sozinhos.”

A “Carta Apostólica O Sinal Admirável” do Papa Francisco chega às mãos, ao coração e à razão de quem a lê, trazendo-lhe essa certeza: Jesus “nasceu pobre, levou uma vida simples, para nos ensinar a identificar e a viver do essencial.”

Tags:

leia também