Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

 

                No Evangelho de João (9, 1-39), encontra-se o relato de Jesus que cura um cego de nascença. Jesus passa e vê o cego. Não é o ser humano que vê Deus, antes, é o Deus que vê o ser humano. O cego está nessa condição desde o nascimento e, quando for curado, será como ter nascido novamente. Ele nunca vira a luz e, por isso, não podia desejá-la.     

              Diante do cego, os discípulos perguntaram sobre quem havia pecado para que o cego estivesse assim: ele ou seus pais. Geralmente, se associava a doença à culpa e, naquela época, se pensava que Deus corrigia os pecadores com provações. Ainda hoje, lamentavelmente, há quem faça essa equivocada associação diante dos flagelos. Jesus responde que ninguém pecou, pois cada um é responsável pelas próprias ações e não daquelas dos seus pais. Jesus também nega a relação entre enfermidade e culpa.  

               Jesus revela que o mal não é a última palavra sobre a existência humana, pois Cristo veio, justamente, para salvar a humanidade e retirar o poder do pecado do mundo. Por isso, declara que ele é a luz do mundo e que veio para iluminar os que estão nas trevas.  

            Para curar o cego, Jesus cuspiu na terra e fez lama. O cuspe recorda a água viva do Espírito revelada à samaritana. Recorda, também, a água que jorra com o sangue do seu lado aberto pela lança na Cruz, e a lama remete à criação do ser humano tirado do barro. Mas essa lama com o cuspe de Cristo é diferente, pois não é apenas terra e água, posto que, pelo gesto de Cristo, é união entre Terra e Espírito, por isso é o início de uma nova criação.  

               Depois de colocar lama sobre os olhos do cego, Jesus ordena que vá lavar-se na piscina. Jesus fez sua parte, ofereceu o dom, cabendo ao ser humano acolher e responder a esse amor fazendo a parte que lhe cabe. O humano é livre para decidir sobre escutar ou se fechar à Palavra de Cristo.  

                O cego vai e se banha na água. Isso remete ao Batismo, o banho da graça que purifica e ilumina todo aquele que é mergulhado em Cristo. O Batismo também é dom que espera uma resposta de escuta ao Cristo em sua Palavra. A fé é sempre uma resposta livre do ser humano ao projeto amoroso e salvífico de Deus.  

                O cego voltou vendo, mas isso provocou reações entre os vizinhos e conhecidos.  Eles não reconhecem como o cego mendigo tornara-se um ex-cego. Isso não era concebível naquela mentalidade que relacionava culpa à doença.  As opiniões sobre isso eram divergentes. O diálogo que segue se mostra como um processo contra o cego. Ele foi iluminado, mas aqueles que estão nas trevas não o reconhecem.  

               Jesus soube que o cego tinha sido banido da comunidade e, quando o encontrou perguntou-lhe: “Tu acreditas no Filho do Homem?” E o cego respondeu: “Quem é, para que eu acredite nele?” A pergunta de Jesus serve para que o cego manifeste seu desejo de conhecer e acreditar no Filho do Homem. Jesus se revela: “Tu o estás vendo! É aquele que fala contigo.” O cego responde: “Creio Senhor.” É esse o momento no qual o cego está totalmente iluminado: vê o Senhor que fala com ele e adere a ele. Ele não só recuperou a vista, como adquiriu o olhar do invisível, enxerga as coisas do alto.   

             Sobre essa passagem evangélica, escreveu o Papa Francisco: 

 “Com este milagre Jesus manifesta-se a nós como luz do mundo; e o cego de nascença representa cada um de nós, que fomos criados para conhecer Deus, mas por causa do pecado somos como cegos, temos necessidade de uma luz nova; todos precisamos de uma luz nova: a da fé, que Jesus nos concedeu. Antes de tudo, significa abandonar as luzes falsas: a luz fria e fátua do preconceito contra os outros, porque o preconceito deturpa a realidade e enche-nos de aversão contra aqueles que julgamos sem misericórdia e condenamos sem apelação”.  

 

 

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