Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
A verdadeira luz que brilha no Natal do Menino Jesus é a esperança. Todas as outras luzes se apagam, passadas as festas natalinas – enfeites das ruas e praças, casas e comércios. Há muitos brilhos que enchem os olhos, mas todos são ofuscados pela luminosidade da esperança que reveste o coração humano, fortalecendo-o, permanentemente, para enfrentar os muitos desafios. Os enfeites deste tempo se apagam, mas a luz luzente da esperança permanece. Fortes e inspiradoras são as imagens, com as suas simbologias, apresentadas pelo profeta Isaías. No capítulo 35 de seu Livro, o “profeta da esperança” anuncia alegria ao deserto e à terra seca, o júbilo à estepe para que floresça como o lírio. Augúrios para que a terra germine e exulte, cheia de alegria e louvor. Uma imagem exuberante da natureza para que se compreenda a dinâmica da esperança no coração humano, levando força às mãos abatidas, firmeza aos joelhos vacilantes, infundindo destemor aos medrosos, pela presença de Deus.
A presença de Deus é luz da esperança – força única que gera admiráveis transformações, conforme diz Isaías: “Os olhos dos cegos vão se abrir, e os ouvidos dos surdos se desobstruirão, saltará o aleijado como um cabrito, cantará a língua dos mudos, água jorrará no deserto, e rios, na terra seca, o chão ressequido se mudará em pântano, e a terra sedenta em mananciais de água”. O brilho luminoso da esperança reluz do coração de Deus que vem na terna fragilidade de um Menino. O Menino-Deus revela-se Mestre para ensinar seus discípulos a tarefa e o propósito de suas vidas. Assim, as luzes do Natal se efetivam na conduta de cada pessoa, chamada a ser luz do mundo. Na abertura do Sermão da Montanha, Jesus dirige-se a seus discípulos definindo-os como “luz”. Indica que a luz do seu Natal produz outras luzes duradouras. Brilhos que se acendem pelo zelo e compromisso de viver a partir de princípios e valores emanados de Cristo, a luz maior, cujo brilho e luminosidade não têm ocaso.
Há medo e desespero nos corações de muitos, dificultando o reconhecimento da luz da esperança. O crescimento da violência e do desrespeito atrapalha a necessária capacidade de esperançar. Uma incapacidade provocada também pelo viver sem dignidade: é preciso reconhecer que os avanços da contemporaneidade, especialmente no campo técnico-científico, contracenam com precárias condições de vida da grande maioria dos seres humanos. Diante dessa realidade, é oportuno retomar o itinerário desenhado pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica “A alegria do Evangelho”. O Papa indica “estações” que, levadas a sério, acendem incandescentes luzes de Natal. Dentre as estações estão as que conduzem a humanidade a dizer “não” à economia da exclusão, à nova idolatria do dinheiro, a um dinheiro que governa em vez de servir, à desigualdade social que gera violência.
Esses “nãos”, expressados convictamente, permitem à sociedade enxergar a luz da esperança. O “não” à economia da exclusão se fundamenta no horizonte do mandamento “não matar”. É preciso, pois, atenção para evitar tudo que promove a economia da exclusão: o desperdício de alimentos ou o consumo além da necessidade, a competitividade perversa. Devem ser buscadas soluções para mudar a realidade de tantas pessoas sem trabalho e, consequentemente, sem horizonte para suas vidas. A exclusão alimenta a “cultura do descartável”, que traz consequências perversas para os recursos do planeta e, igualmente, para o ser humano – tantas pessoas deixam de ser consideradas pela sociedade. Apesar desses graves problemas que distanciam o ser humano da luz de Deus, convive-se com um anestesiar-se a partir da “cultura do bem-estar”. Trata-se de uma cultura alimentada pelo consumo, moldada pelo mercado que cultiva a idolatria ao dinheiro.
O Papa Francisco lembra que a atual crise financeira enfrentada em todo o mundo se enraíza em uma crise antropológica profunda: nega-se a primazia do ser humano. O dinheiro alcança o status de ditador, particularmente com o recurso impositivo do consumo. E consumir desmedidamente é privilégio dos que podem aumentar seus lucros e até manipular instituições governamentais – que deveriam proteger o povo da perversidade dos mercados e das especulações financeiras. A tirania do dinheiro cega e compromete o princípio da fraternidade universal – sinal da falta de ética e do distanciar-se de Deus. Apenas a ética e uma aceitação incondicional de Deus, o Deus-Menino que vem encontrar a humanidade, podem levar à sabedoria para vencer o domínio do dinheiro e do poder.
Somente Deus e a vivência de adequados parâmetros éticos são capazes de levar a civilização planetária a realizar-se plenamente, com uma ordem social mais humana. E uma corajosa reforma depende sempre de dirigentes políticos eticamente comprometidos a ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los. Deve-se reconhecer que a solidariedade é essencial para enfrentar a exclusão – fonte de violências. O Papa Francisco adverte que, quando a sociedade abandona, na periferia, parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir, indefinidamente, a tranquilidade. Ensina o Papa: assim como o bem tende a difundir-se, também o mal consentido, a injustiça, tende a expandir-se, com a sua força nociva, e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social.
A luz da esperança, a esperança fidedigna, é Cristo, que deve ser acolhido pela humanidade a partir de sua vinda. O Natal de Jesus é a semeadura da ética que tem força para transformar vidas a partir da lógica da fraternidade universal. Os augúrios são de que se deixe brilhar a luz de Cristo, com atitudes luminosas coerentes com o brilho do Natal.