Mãe e Rainha de toda a criação 

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)

 

 

Encerradas as celebrações do grande acontecimento da Igreja Católica em Belém, com intensa participação de fiéis devotos de toda parte, o Círio de 2024, nossos olhares se voltam para frente e para o alto, para viver o Jubileu “Peregrinos de esperança”, convocado pelo Papa Francisco e também dar nossa contribuição de cristãos católicos para que o mundo seja melhor, de acordo com o que Deus observou após os dias da criação: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31), que será o lema da Campanha da Fraternidade de 2025, com o tema “Fraternidade e Ecologia Integral”. O Círio de Nazaré há de ser um acontecimento significativo, dando um sentido novo e profundo a todos os argumentos que cercarão o ano com temas ligados à criação, ao meio ambiente e ao clima. As peregrinações preparatórias ao Círio, a seu tempo, encontrarão suas referências especialmente na Encíclica “Laudato si’”, do Papa Francisco. 

Podemos ver, como já encontrei uma bela visão poética, que toda a criação foi feita como um excepcional cenário da história pensada por Deus. O sol, a lua e as estrelas iluminam o palco! Os animais de todas as espécies, o mistério da vida que pulula! Plantas, flores e frutos são a alimentação e ornamentação. Os mares e os rios completam as cenas. No final, o ser humano, homem e mulher, quando “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31), num magnífico sorriso! Daí nasce o otimismo cristão diante de toda a criação, cujo coração é a pessoa humana. Mais ainda, o ponto auge de toda a história, sua máxima expressão, é Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro, que assumiu tudo o que é nosso, menos o pecado, para levar-nos com ele ao Paraíso. 

É a convicção de São Paulo e de toda a Igreja: “Com alegria, daí graças ao Pai que vos tornou dignos de participar da herança dos santos, na luz. Foi ele que nos livrou do poder das trevas, transferindo-nos para o reino do seu Filho amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados. Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, pois é nele que foram criadas todas as coisas, no céu e na terra, os seres visíveis e os invisíveis, tronos, dominações, principados, potestades; tudo foi criado por ele e para ele. Ele existe antes de todas as coisas e nele todas as coisas têm consistência. Ele é a Cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio, Primogênito dentre os mortos, de sorte que em tudo tem a primazia” (Cl 1, 12-18; cf. Hb 1,6; cf. Ap1,5; cf. Rm 8,29). 

Nós rezamos com a Igreja: “Creio em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus: e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem”. O universo inteiro não é um acaso, mas fruto da criação de Deus, cujo amor faz com que tudo esteja interligado, gerando nossa responsabilidade por tudo o que nasceu do alto, do Pai das Luzes! (cf. Tg 1,17) Do seio da Trindade, o Filho amado desceu a esta terra, assumindo uma carne humana, gesto que nos faz entender que “Deus não fez a morte, nem se alegra com a perdição dos vivos. Ele criou todas as coisas para existirem, e as criaturas do orbe terrestre são saudáveis: nelas não há nenhum veneno mortal, e não é o mundo dos mortos que reina sobre a terra, pois a justiça é imortal (Sb 1,13-15). E veio da Trindade o Espírito que sopra onde quer, o hálito eterno que espalha o amor, suscita a conversão e conserva o que foi por ele tocado. 

A Virgem Maria é a Mulher “vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas na cabeça” (Ap 12, 1). Elevada ao céu, é Mãe e Rainha de toda a criação (cf. “Laudato si’” 241), o tema escolhido para o Círio de 2025. No seu corpo glorificado, juntamente com Cristo ressuscitado, parte da criação alcançou toda a plenitude da sua beleza. Ao reconhecer Maria como Mãe e Rainha de toda a criação, é muito importante que vejamos o conjunto da obra criadora de Deus como a Escritura apresenta. Não entremos numa espécie de divinização da natureza. Estejamos atentos, pois, respeitando a liberdade das pessoas e ideias eventualmente diferentes, a nós cristãos cabe anunciar a verdade do plano de Deus!  

Por inefável desígnio de Deus, uma criatura, Maria, uma adolescente de Nazaré, foi escolhida para dar a resposta que comprometeu definitivamente toda a humanidade, elevando-nos à verdadeira ousadia de estar face a face com o mistério de Deus. Como para Deus servir é reinar, o Filho de Deus, que veio para servir e não para ser servido, nasceu daquela que se declarou serva, escrava do Senhor, pronta para que nela se realizasse a Palavra e a Vontade do Senhor. Por isso, aquela que é Mãe de Deus, pela sua docilidade e abertura ao plano de Deus, é chamada de Rainha, e é Rainha. Maria é Rainha porque se deixou moldar totalmente, em sua humanidade e em seu modo de agir, pelas mãos de Deus! Maria é Rainha no lar de Nazaré, Rainha da simplicidade e da docilidade. Maria é Rainha pois viveu na caridade e para a caridade. Maria é Rainha pelo seu jeito de ser discípula do próprio Filho, indicando aos servos de Caná e de todos os séculos a buscarem fazer tudo o que Jesus disser, e assim continua a ensinar a “receita de milagre”, para que a vida não perca seu sabor! Maria é Rainha em seus títulos, que expressam o quanto sua presença reflete o amor de Deus e nos faz valorizar e amar toda a criação. 

Maria é Rainha aos pés da Cruz, altaneira e provada na fé, participando da entrega de seu Filho e acolhendo os que ali adotou como filhos, a humanidade inteira. Maria é Rainha no Cenáculo, contribuindo para que os discípulos acolhessem o Dom do Espírito Santo. Maria é Rainha porque, tendo chegado na nossa frente, lá no Céu continua a acompanhar-nos na peregrinação da fé. 

Olhando para ela, podemos dizer com confiança, percorrendo os caminhos, muitas vezes orvalhados de lágrimas, na certeza da plenitude de vida a que somos destinados: “Salve Rainha, Mãe de Misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve! A vós bradamos degredados filhos de Eva. A vós suspiramos gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa ó doce e sempre Virgem Maria.” E com ela o desterro se torna terra amada e harmônica, antevisão do Paraíso! 

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