Dom Manoel João Francisco
Bispo de Cornélio Procópio (PR)

Nos dias 13 e 14 de agosto aconteceu em Brasília a 6ª Marcha das Margaridas. Trata-se de uma ação organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

A primeira edição da Marcha das Margaridas aconteceu no ano 2000 e segundo suas organizadoras, reuniu cerca de 20 mil mulheres, vindas de todas as partes do Brasil, representando as agricultoras, as quilombolas, as indígenas, as pescadoras e as extrativistas. Na última edição, em 2015, segundo a mesma fonte, participaram do evento 100 mil mulheres. A participação nesta última foi também muito numerosa. Além das mulheres de todos os estados do Brasil, estiveram presentes representantes de mais 26 nacionalidades. O símbolo do evento são as camisetas lilás e os chapéus de palha decorados com margaridas, usados pelas participantes.

Chama-se Marcha das Margaridas para homenagear a líder sindicalista Margarida Maria Alves, assassinada, na porta de sua casa, na frente do marido e do filho pequeno, em 1983, quando lutava pelos direitos dos trabalhadores na Paraíba. Durante os 12 anos em que foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, Margarida moveu mais de 73 ações, por desrespeito às leis trabalhistas, contra as usinas de açúcar de cana da região. Uma das ações foi contra o filho de um fazendeiro que tinha espancado uma idosa paralítica, moradora de suas terras.

Margarida era uma mulher corajosa e destemida como testemunha sua amiga de luta, Maria Soledade Leite: “Margarida não era dessas de baixar a cabeça. Nós tínhamos a maior confiança nela. Quando ingressava numa luta, ia até o final. A luta de Margarida foi pela jornada de oito horas, pelo 13º salário, pela carteira assinada, pelas férias anuais e o repouso semanal remunerado, pelo direito ao sítio, porque os patrões plantavam a cana até na porteira da casa. A luta dela era para que o trabalhador tivesse uma areazinha onde pudesse ter suas plantações e dar uma vida digna à sua família”.

Marcada para morrer, Margarida não se intimidou e só teve a voz calada pela espingarda calibre 12 de um matador de aluguel. Antes de morrer, num discurso de comemoração do Dia do Trabalhador, disse uma frase que ficou famosa e é repetida com freqüência pelas suas seguidoras e também seguidores: “É melhor morrer na luta do que morrer de fome”.

Por ocasião de sua morte, a mesma amiga Maria Soledade Leite dedicou-lhe estes versos: “Dia 12 de agosto nasceu um sol diferente/um aspecto de tristeza, o sol frio em vez de quente/ era Deus dando o sinal da morte de uma inocente (…) Jesus Cristo deu a vida pra redimir os pecados/ Tiradentes pela pátria foi morto e esquartejado/ Margarida na defesa dos pobres e necessitados”.

Em 2001 a casa de Margarida se transformou em museu. Ali se encontram a geladeira, os óculos, uma bolsa, uma camisa branca com bordado de flores, o chapéu usado por ela, muitos documentos da época em que liderava o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, além de instrumentos de trabalho usados no corte da cana de açúcar. Encontram-se também, nas paredes desta casa-museu, recortes de jornais do país e do exterior que relatam e comentam o assassinato de Margarida.

Para cada Marcha das Margaridas se escolhe um lema. O deste ano é: “Margaridas na luta por um Brasil com soberania popular, democracia, justiça, igualdade e livre de violência”.

Sem dúvida, este é um lema muito significativo e atual. Apesar de toda luta e organização dos trabalhadores e trabalhadoras, os conflitos seguem fazendo vítimas e manchando de sangue a história do campo no Brasil. No último dia 30 de julho em Lerroville, distrito rural de Londrina, 167 famílias foram despejadas do Acampamento Quilombo dos Palmares. Numa carta de repúdio a Presidência da CNBB Regional informa que esta já a quarta reintegração de posse ocorrida neste ano em nosso Estado, “e tudo indica que ocorrerão outras, com consequências mais desastrosas”.

 No relatório anual feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) afirma-se que em 2018 aconteceram 1.489 conflitos, 28 assassinatos, 960.342 pessoas envolvidas. A maioria dos assassinatos, como o de Margarida Maria Alves segue sem esclarecimentos. Isto faz com que o Brasil seja considerado o país mais violento do mundo para as populações camponesas.

A Marcha das Margaridas não deve ser apenas mais uma notícia. Pelo contrário, deve ser uma oportunidade para percebermos que “os pobres não só suportam a injustiça, mas também lutam contra ela. Não esperam mais, mas querem ser protagonistas. Organizam-se, estudam, trabalham, exigem e, sobretudo, praticam aquela solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem, entre os pobres, e que nossa civilização parece ter esquecido, ou pelo menos, tem grande vontade de esquecer” (Papa Francisco). A Marcha das Margaridas deve abrir nossos olhos para ver a opressão, despertar nossos ouvidos para ouvir o grito dos oprimidos, mover nosso coração para nos condoer com os sofrimentos e despertar nossa consciência para descer para junto do povo e participar de suas lutas de resistência e conquista de seus direitos e dignidade.

Tags:

leia também