Há quem queira opor matrimônio e celibato. São, entretanto, duas formas de viver o amor. Certa vez, tendo Jesus ensinado que a união matrimonial não podia ser desfeita por decisão humana e que repudiar a esposa e tentar se unir a outra era adultério, os discípulos assim reagiram: “se a situação do homem com a mulher é essa, é melhor não se casar”. Ao que Jesus respondeu: “nem todos são capazes de entender isso, mas só aqueles a quem é concedido” e afirmou que há aqueles que não se casam por incapacidade, porque nasceram assim ou porque foram mutilados, acrescentando: “outros ainda, por causa do Reino dos Céus, se fizeram incapazes – abriram mão – do casamento. Quem puder entender, entenda” ( cf Mat 19,3-12).
Veja o leitor que o questionamento dos discípulos tinha raízes no egoísmo, no caso machista. Jesus ensina que casamento é obra de amor, e amor de verdade vai sempre adiante. Qualquer tentação de voltar atrás é oportunidade de maior amor. Sem especial graça de Deus é impossível compreender o matrimônio como consagração. Ora, o celibato, pelo Reino, como consagração, é uma forma igualmente sublime de amar. Exige fidelidade e cotidiana dedicação.
A castidade dos casados significa que suas relações, desde as mais íntimas, devem estar purificadas de qualquer forma de egoísmo e de dominação, que fazem do companheiro puro objeto do desejo. O religioso, em especial o padre, reserva-se para o serviço de Deus e dos irmãos. Sua castidade é sinal de doação exclusiva à comunidade, para o que ele abre mão da forma matrimonial de viver o amor. “Quem puder entender, entenda”, alertou Jesus.
Assim como o matrimônio, como obra de amor, só pode ser compreendido e vivido com a luz e a força da graça, assim também acontece com a consagração pelo celibato. Quem acolhe este caminho, e o vive de fato, é feliz daquela felicidade que só Deus pode dar, terá no coração a alegria que Jesus prometeu dar aos discípulos, que deixassem tudo para segui-lo. É a mesma alegria do casal que vive a fidelidade, a mútua doação “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da vida”.
No tempo de Jesus era difícil entender assim o casamento. Os discípulos mesmos, embora já empolgados pela pessoa de Jesus, experimentaram essa dificuldade. Era-lhes muito mais difícil compreender o celibato, ou seja, a consagração, por uma castidade total, ao Reino. Hoje, com a elevação do prazer à categoria de sentido de vida, a castidade é dada como impossível. Sabemos, entretanto, que o amor verdadeiro é maior que o prazer, do que a posse e do que o poder. Só ele, o amor, dá sentido e alegria à vida humana. Esta é a verdade, a verdade do evangelho e a verdade mais profunda do ser humano, aquilo que lhe dá dignidade e que aponta o único caminho possível para a realização de uma humanidade feliz.
No momento em que certa cultura vulgariza o matrimônio e produz do amor uma nojenta caricatura, é nosso dever afirmar a grandeza e o sentido verdadeiro do amor humano. O Matrimônio será sempre aquela grandeza criada por Deus e santificada por Cristo. E o celibato pelo Reino jamais deixará de ser um real testemunho do amor de Cristo pela humanidade. As falhas dos casais cristãos, suas infidelidades, não anulam a dignidade do matrimônio, devem levar à penitência e a retomada do caminho. Não nascemos castos, tornamo-nos castos, e sempre mais, pela graça de Deus.
Também nós, religiosos, celibatários pelo Reino, crescemos na busca de um amor sempre mais livre das humanas paixões, no seguimento de Jesus, casto, pobre e obediente. Nossas eventuais falhas, ou as atitudes destoantes de alguns, não deslustram a beleza do celibato como forma de seguir o Senhor. Vivemos uma época em que, mais que nunca, é-nos pedido, a casados e celibatários, um renovado empenho no caminho da santidade. A graça de Deus há de nos sustentar, como sustentou a Pedro no resto de sua vida, depois da dolorosa experiência de sua fraqueza, quando negou Jesus por tres vezes.
O Povo Cristão, em especial os católicos, sabem que a vida de um sacerdote é cercada de perigos e de tentações e, por isso, ora incessantemente pela santificação de seus ministros ordenados. O ser humano e as instituições fundamentais da sociedade gozam de tal dignidade que nenhuma indignidade nossa pode destruir.