Dom Geraldo dos Reis Maia
Bispo de Araçuaí (RS)

 

O mundo todo ainda sente a perda do Papa Francisco e continuará a senti-la sempre. Mais do que o chefe de uma instituição que consta 2 mil anos de história, ou o soberano do menor país do mundo, porém com mais de 1 bilhão e 300 milhões de seguidores, Francisco foi o líder da humanidade neste momento dramático da história. Tão grandiosa era sua figura, envolta em santa humildade, que cerca de 400 mil pessoas acompanharam presencialmente o seu sepultamento, mais de 50 chefes de Estado e de Governo e 10 monarcas se fizeram presentes no Vaticano, junto a 130 delegações de Estados soberanos. 

Nas despedidas do saudoso Papa Francisco estiveram presentes desde o homem mais poderoso do mundo, até às pessoas mais simples e humildes que vivem em situação de rua. Cerca de 5 mil religiosos/as ali estavam: cardeais, patriarcas, arcebispos, bispos, padres e diáconos. A acolhida de seus restos mortais, nas escadarias da Basílica de Santa Maria Maggiore, foi comovente. O caixão foi recebido por um grupo de 40 pessoas em situação de rua, população trans e travesti, refugiados e prisioneiros. Eram aquelas pessoas pelas quais o Papa tinha mais carinho e tanto se dedicou; as preferidas também por Jesus Cristo. 

Dentre os vários documentos deixados pelo Papa Francisco, destacamos a Laudato Sì, encíclica sobre o cuidado da Casa Comum, lançada em 2015. Nela, Francisco nos ensina: “Se tudo está em relação, também o estado de saúde das instituições de uma sociedade comporta consequências para o ambiente e para a qualidade da vida humana […] Em tal sentido, a ecologia social é necessariamente institucional e atinge progressivamente diversas dimensões que vão do grupo social primário, a família, até a vida internacional, passando pela comunidade local e a Nação” (LS, 142). Iluminados pelas orientações desta Encíclica e de tantos outros documentos do saudoso Papa Francisco, temos combatido pela nossa região do Vale do Jequitinhonha e continuaremos a fazê-lo em sua memória. 

Temos apresentado, em várias ocasiões, como missão profética da Igreja, veemente apelo pela manutenção dos limites da Área de Preservação Ambiental Chapada do Lagoão, fixados em 2007, no município de Araçuaí, diante do Projeto de Lei apresentado ao Poder Legislativo, em fevereiro deste ano, que propõe a sua redução em 23%. Compreendemos que essa discussão e decisão não podem se restringir aos residentes e proprietários nas cercanias daquela APA, dado a um princípio muito claro em vários documentos do Papa Francisco: na natureza, “Tudo está conectado”. Todas as nossas ações têm seus impactos. É preciso saber mitigar esses impactos, de maneira a prejudicar menos a Ecologia Integral. 

Verifica-se um sério risco de avanço de atividades minerárias naquela região, o que acarretaria sérios danos ambientais. Para além de interesses lucrativos, vale o cuidado pelo ser humano e pela natureza. A maior riqueza que temos em nosso Vale do Jequitinhonha não são as pedras preciosas, a monocultura do eucalipto, a extração do mármore ou do lítio. A maior riqueza do Vale do Jequitinhonha são as pessoas que nele vivem, com suas culturas, saberes, sabores e resistências. 

O que a APA Chapada do Lagoão precisa não é de redução de seus limites. Esta APA precisa é de interesse político, implementação de políticas públicas e investimentos em ecoturismo, agroecologia e na valorização da cultura e saberes dos povos que nela vivem. É preciso banir Fake News que amedrontam esses povos. É preciso implementar o “Plano de Manejo” e realizar formações com seus residentes para saber o que e como é possível trabalhar a rica diversidade desta área. 

Por isso, conclamo a todas as pessoas de boa vontade: representantes dos poderes constituídos no Município, representantes de entidades, pastores e pastoras de Igrejas cristãs, líderes religiosos em geral, para aprofundarmos os debates sobre as atividades minerárias em nossa região e sobre um modelo de mineração que possa gerar crescimento verdadeiro e responsável para o nosso Município e todo o Vale do Jequitinhonha. Não podemos nos omitir diante da sanha do lucro fácil e da degradação da Ecologia Integral. As gerações futuras vão cobrar nossas atitudes neste momento crucial para a nossa história. 

A dor pela partida do querido Papa Francisco é pungente, mas a confiança na feliz ressurreição, segundo a fé cristã, nos conforta e descortina um horizonte de esperança. Desde o plano espiritual e superior, o querido Papa Francisco olha para nós com seu sorriso largo, simples e cativante e nos pede que sejamos fiéis ao seu legado, a sua memória. Não basta admirar o seu testemunho de vida, é preciso colocar em prática os seus ensinamentos, cuidando dos mais necessitados e da “Casa Comum”. 

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