Morrer para ressuscitar

O título que encima esta reflexão é uma obviedade.  A fé cristã tem na ressurreição de Cristo seu fundamento. São Paulo afirma: “se Cristo não ressuscitou, nossa pregação é sem fundamento, e sem fundameno é também vossa fé” (I Cor 15,14). A fé na ressurreição permite-nos saudar a morte como verdadeira passagem para a plenitude da Vida. Prestemos atenção ao que nos refere a história: “No ano de 1226, Francisco se acha muito debilitado. Seu estômago não aceita mais alimento algum. Chega a vomitar sangue. Admiram-se todos como um corpo tão enfraquecido, já tão morto, ainda não tenha desfalecido.

Transportado de Sena para Assis, Francisco ainda encontra forças para exortar os que acorrem a ele. E aos irmãos diz: Meus irmãos, comecemos a servir ao Senhor, porque até agora bem pouco fizemos. Ao chegar a Assis, um médico se apresenta e constata que nada mais resta a fazer. Ao que Francisco exclama: Bem-vinda sejas, irmã minha, morte.  E convida aos irmãos Ângelo e Leão para cantarem o Cântico do Irmão Sol, ao qual Francisco acrescenta a última estrofe em louvor a Deus pela morte corporal”. São Paulo assim escreveu: “Para mim, de fato, o viver é Cristo e o morrer é lucro…

Estou num grande dilema: por um lado, desejo ardentemente partir para estar com Cristo – o que para mim é muito melhor -; por outro lado, parece mais necessário para vosso bem que eu continue a vivar neste mundo”(Fl 1,21 e 23-24). Ora, se Cristo não ressuscitou, São Paulo e São Francisco foram vítimas de um delírio. A sombra que turva o rosto da humanidade é a sombra da morte. O brilho da esperança volta quando nossos olhos começam a beber a luz do Ressuscitado. Faz-se, então, luz nos olhos e calor no coração: “neste momento seus olhos se abriram e eles o reconheceram.

Ele, porém, desapareceu da vista deles. Então um disse ao outro: ‘não estava ardendo nosso coração quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava a Escrituras?’(Lc 24,32)”. A Epístola aos Hebreus ensina: “…Jesus participou da mesma condição (humana) para destruir, com sua morte, aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo. Assim libertou os que, por medo da morte, passavam a vida toda sujeitos à escravidão “(Heb 2,14-15).O que é morrer na perspectiva cristã? Será um mergulho no desconhecido, em trevas definitivas? Não. É deixar para trás o mundo e mergulhar no mistério de Deus. A morte deve ser vivida como entrega total e definitiva. Morrer bem aprende-se vivendo bem. A vida é processo. Deixa-se para trás a infância e se avança para frente. Depois vem a juventude, depois a maturidade, depois a idade avançada. Depois, a eternidade. Abre-se mão de uma fase para entrar noutra. A esperança não é a última que morre. Para quem crê, a esperança não morre, transforma-se em realidade. A existência de Cristo foi vivida na entrega. Sua morte foi sua consumação, a plena realização do sentido de sua vida. Sua morte foi sua entrada na glória.

O Pai O acolheu e lhe deu a plenitude da vida. Sua humanidade está glorificada à direita do Pai. Este é também nosso destino. Batizados em Cristo, já temos em nós a força da ressurreição: o Espírito Santo. É esta força que nos permite morrrer a cada dia, ou seja, a cada dia deixar para trás os aprisionamentos do egoísmo e avançar na direção de Deus, fazendo comunhão com os outros. Vida oferecida é vida salva: “Pois quem quiser salvar sua vida a perderá, e quem perder sua vida por causa de mim a salvará.”( Lc. 9,24)). São Paulo nos exorta: “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus; cuidai das coisas do alto, não do que é da terra. Pois morrestes, e vossa vida está escondida com Cristo em Deus”( Cl 3,1-3).O que é viver a Páscoa? Em que consiste uma Feliz Páscoa? Páscoa é libertação.

Libertação do pecado e do medo da morte. O medo da morte desaparece quando a pessoa tem a quem oferecer a vida. Só pode dar sentido à vida algo que dê sentido ao morrer. Quem não tem por quem morrer não tem também por quem viver. Viverá para si mesmo e morrerá na solidão. Viver a Páscoa é viver a certeza que a vida só tem sentido quando é oferecida. É preciso fazer da vida um êxodo permanente. Desagarrar-se de si mesmo para chegar ao outro, sabendo que em cada outro concreto está o mistério de Deus. Isto exige morrer para si mesmo, superação do pecado na própria vida. Quando alguns gregos quiseram vê-lo, assim se revelou Jesus: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade, vos digo: se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só. Mas, se morre, produz muito fruto.  Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem não faz conta de sua vida neste mundo, há de guardá-la para a vida eterna”(Cf Jo 12,20-26). Aquele que se deixa abraçar pelo Cristo ressuscitado torna-se capaz de dar a vida por Ele. E este é o caminho para a Vida. Feliz Páscoa, irmão(ã)!

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues

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