Cardeal Sergio da Rocha
Arcebispo de Salvador (BA)
O ritmo acelerado de vida não favorece pensar na vida e no viver, menos ainda, na morte e no morrer. São raras as ocasiões em que as pessoas param para pensar na morte. Finados e a pandemia levam a pensar o sentido da vida e da morte. No atual contexto sociocultural, agrava-se a dificuldade em lidar com a morte e o morrer. De um lado, temos o apego cada vez maior ao aqui e o agora, com a fruição ávida do instante, a recusa de qualquer limitação física ou mental, a rejeição do natural envelhecer, a busca desenfreada da eterna juventude por meio das mais variadas técnicas e produtos. De outro lado, temos a banalização da morte, sintoma agudo da banalização da própria vida, com vidas ceifadas em guerras e conflitos, vítimas das várias formas de violência, mortes por enfermidades que podiam ser evitadas e tantas mortes decorrentes de injustiças sociais. São situações de morte a serem superadas, com a atuação daqueles que creem em Deus e acolhem o dom da vida com amor e responsabilidade. É preciso refletir sobre como se vive e se morre para evitar a banalização da vida e da morte.
Não dá para pensar na morte, sem pensar na vida, na vida presente e na vida futura. A morte não torna a vida sem sentido. Ao contrário, a consciência da morte e o refletir sobre ela podem atribuir sentido ainda maior ao presente e ao futuro. A consciência da finitude e da transitoriedade deve levar a uma atitude de maior responsabilidade no cuidado da vida, principalmente, neste tempo de pandemia. A atitude positiva e responsável diante da própria vida e da vida dos outros, no presente, prepara para o enfrentamento da morte. Contudo, a morte faz pensar também no futuro, na realidade pós-morte. Na perspectiva religiosa, a morte não significa o fim absoluto, a destruição da vida e da pessoa, mas passagem para a plenitude da vida que se encontra em Deus.
A ótica da fé ilumina e dá sentido à vida e à morte, ao viver e ao morrer. A crise de sentido a respeito da morte sinaliza uma crise de sentido da vida. Não é possível dar significado à morte sem dar significado ao conjunto do viver. Daí, a importância de se viver o presente animado pela fé e por ela orientado. Não fomos criados para a morte, mas sim para a vida! Esta é a grande boa nova que perpassa as páginas da Sagrada Escritura desde o presente da vida doado pelo Criador até a garantia da vida eterna e a ressurreição da carne, graças à vitória de Cristo sobre a morte. O anseio de viver e de viver para sempre, marca o ser humano e encontra em Deus a sua razão profunda de ser.
Quem vive da fé e do amor sofre e também passa pela morte, mas não se desespera. A fé em Deus e a força do amor fazem ultrapassar a própria morte, que deixa de ser um muro intransponível. Nesta perspectiva, assumida serenamente como parte natural da vida, a morte torna-se salto para a vida eterna.