Dom Genival Saraiva
Bispo Emérito de Palmares – PE

A coletividade, muitas vezes, se move na direção da prática do bem, em face de calamidades que atingem a população ou quando segmentos da sociedade vivenciam situações de adversidade. Assim, em 1985, Michael Jackson e Lionel Richie, diante do agravamento da tragédia da fome na África, escreveram a canção “We Are the World” (Nós somos o mundo), melodia de beleza excepcional e letra carregada de humanização, sensibilidade, solidariedade. “Nós somos o mundo / Nós somos as crianças / Somos nós que fazemos um dia melhor, então vamos começar a dar / Há uma escolha que estamos fazendo / Estamos salvando nossas próprias vidas / É verdade que vamos fazer um dia melhor, só você e eu / Então eles sabem que alguém se importa / E suas vidas serão mais fortes e livres / E assim todos nós devemos ajudar”. No tempo, a mobilização, além da contribuição financeira, fez chegar aos africanos a solidariedade de muitas pessoas do mundo das artes e da sociedade americana – “Então eles sabem que alguém se importa / E suas vidas serão mais fortes e livres.” Todavia, persiste no Mapa da África a desumana situação de muitos países que continuam marcados pela fome crônica que leva à morte milhares de seus cidadãos.

No momento, a grave situação vivida pela humanidade, causada pelo novo coronavírus, está demonstrando que esse assunto interessa a todos que vivem no “planeta terra”; afinal, todos sabem que estão contabilizados entre suas vítimas, de uma forma ou de outra. Dessa maneira, pode-se afirmar, com segurança, que essa crise não passa ao largo da vida de ninguém. “Nós somos o mundo” do Covid-19, considerando aspectos de sua peculiaridade, como sua rápida disseminação e sua face intercontinental. Com efeito, a crise do coronavírus tem rosto próprio, em termos de abrangência, haja vista o reconhecimento do caráter de pandemia, cujas consequências compreendem as mais diversas expressões humanas e institucionais. Com efeito, trata-se de uma realidade muito complexa com muitas implicações na vida das pessoas, das famílias e da sociedade civil e política. Basta que se considere, por exemplo, a forma como a Igreja Católica faz a leitura desse fenômeno, a ponto de, no período da Quaresma e Semana Santa, suspender as celebrações nos seus templos, a fim de evitar a contaminação das pessoas; a quarentena imposta por governos à população, através de ações profiláticas, de medidas preventivas aplicadas, na maioria das nações, como o isolamento social e a reclusão familiar, tem a mesma razão. A prudência pastoral da Igreja manterá essa orientação enquanto persistir a política pública de isolamento social.

As estatísticas de pessoas infectadas no mundo, acima de um milhão, e de mortes, mais de cem mil, são atualizadas permanentemente e, assim, atestam a gravidade do problema. O perfil social e econômico da humanidade mudou, por completo, com essa pandemia. Um segmento frágil da sociedade, o das pessoas idosas, paga o tributo deste mal, com a experiência da solidão, com a expectativa do desfecho da morte, fato já comprovado em muitos países. As crianças, adolescentes e jovens interrompem os estudos, abruptamente, com mudanças no calendário escolar. A indústria e o comércio, não obstante políticas compensatórias, da parte de governantes, registram os efeitos nocivos do Covid-19 na produção e comercialização. A insegurança no emprego faz parte do dia a dia sofrido dos trabalhadores. As oscilações na compra e venda de ações nas Bolsas de Valores no mundo atestam a fragilidade do “capital volátil” que prioriza o lucro fácil à política de geração de emprego e renda. Enfim, muitas mudanças estão acontecendo; muitas têm caráter circunstancial e, portanto, cessam, de imediato, com término da epidemia no país, a exemplo do isolamento social e familiar, do calendário escolar; dada a sua repercussão, muitas mudanças demandam tempo e, assim, os efeitos serão experimentados paulatinamente.

Pelo que está vendo e vivendo, ao seu redor ou no país mais distante, cada pessoa tem sua compreensão, com maior ou menor base de conhecimento ou empiricamente, a respeito da pandemia do coronavírus

e da consequência de sua rápida propagação. Muitos aspectos do problema ainda não são suficientemente compreendidos. Mas, de qualquer forma, há bastante clareza sobre alguns, como a interligação global, a poluição da natureza, o desequilíbrio ecológico, a mudança no estilo de vida na sociedade contemporânea, a necessidade de se estabelecer hierarquia de valores e escala de prioridades. Por certo, muitas lições estão sendo e serão colhidas do pesado ônus que o coronavírus deixa na vida de pessoas, na convivência social, no universo das instituições e na história dos países. Hoje, evidencia-se perante os olhos das pessoas e da sociedade a necessidade de se ter uma consciência de pertença ao mundo. “Nós somos o mundo”. Com o passar do tempo, confirma-se a afirmação de McLuhan: o mundo é uma “aldeia global”; esse mundo é um só, é um “mundo interligado”.

Cada um precisa tomar consciência de ser parte deste mundo, com seu perfil hoje identificado, sabendo que, com sua própria medida, contribuiu para sua desfiguração ou enquanto se torna agente de seu reerguimento, de sua transformação.

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