Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Muitas vezes as pessoas se perturbam diante das dificuldades do cotidiano, especialmente diante de situações inesperadas. Uma das reações mais habituais diante do desconhecido é o medo. Medo da novidade, do desafio, do problema e até do futuro. Em algumas vezes o medo paralisa a pessoa e causa profunda dor. Não temer é uma das expressões mais recorrentes na Bíblia. Aprender a lidar com a vida entre luzes e sombras do cotidiano é uma sabedoria que desafia a todos nós. Podemos ter medo até de nos colocarmos diante de Deus.
O cristianismo tem suas raízes no Deus que se fez carne e habitou entre nós, por isso, a história humana tem um valor indispensável. Justamente por ser histórica a espiritualidade cristã também sofre a tentação do medo.
Em última análise, o medo é sintoma de nosso medo de Deus, de suas exigências, de suas solicitações. É o que os medievais denominavam acídia, ou preguiça espiritual. Por outro lado, realmente, as exigências de Deus são mortais, quem o encontra deve morrer para sua própria história de pecado e desvios. Ele convida o velho ser humano a morrer, para que possa o novo ser humano caminhar por caminhos novos, até então desconhecidos.
Quem realmente tem uma intensa vida de oração sabe que não há como gerir a própria vida sem remetê-la nas mãos de Deus que realmente a conduz. Uma antiga etimologia medieval entendia o verbo crer, como cor-dare (credere), isto é, é dar o coração. Trata-se de entregar a si mesmo Deus, é deixar-se guiar por Ele, mesmo que seja no caminho da noite escura. Isso é exigente, porque a nossa tentação é de nos defendermos diante do futuro que só a Deus pertence, queremos as garantias e a segurança daquilo que já possuímos e nos fechamos às surpresas de Deus.
Uma imagem bíblica que pode ajudar nessa reflexão é a do jovem rico que experimenta uma profunda angústia quando Jesus lhe abre um futuro diferente daquilo que os bens lhe garantem. (Mc 10,17 ss). Recordemos que Jesus olhou para ele com amor, mas o jovem não aceitou ficar a sós diante de Deus, não conseguiu renunciar a seus álibis e defesas.
Às vezes, nossas orações e nossa espiritualidade são repletas de leituras, livros e palavras, mas acabam nos impedindo de escutar, silenciar e dar espaço que permita ao Deus Vivo vir e tomar silenciosamente em suas mãos toda a nossa vida para transfigurá-la.
Quando ousamos ficar diante de Deus, fazemos a tremenda e fascinante experiência de sair do vazio e da miséria na qual nos encontramos. Sua presença faz com que nos abramos à novidade divina, a oração nos faz antecipar o futuro prometido no presente. Por isso, é importante ser capaz de rezar nos momentos de crise, desafios, problemas, doenças e contradições nas quais nos encontramos. Somente com muita coragem, vencemos o medo para nos tornar realmente livres no amor. Longe de ser uma fuga, a oração, assim experimentada, é novidade e experiência de acolhida ao Deus que vem ao nosso encontro.
Aprendamos com Santa Teresa de Jesus a dizer para si mesmo: Nada te perturbe, nada te amedronte, tudo passa. Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta!
								
								