Natal, Jesus no meio de nós

Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro

“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós e nós vimos a sua glória” (Jo 1,14). Estas palavras, tiradas do Prólogo de São João, resumem de modo estupendo o que chamamos de Encarnação: o fato de o Filho eterno do Pai, Deus vindo de Deus, Luz vinda da Luz, ter-se feito homem e vivido nossa vida humana. Trata-se do mistério celebrado pela Igreja de modo especial no santo Natal.

Nós cremos que o Filho eterno é Deus e existe eternamente (cf. Jo 1,1s; 17,5), pleno, infinito, feliz. E, por nosso amor, para nos elevar à comunhão com o Pai no Espírito Santo, gratuitamente, assumiu a nossa condição humana!

Com palavras comoventes, São Pedro Crisólogo, Bispo de Ravena, no século IV, ensina: “Talvez dirás: ‘Que necessidade para um Deus de nascer? Sua potência criadora não lhe basta? ’ Que necessidade? Eis: nascendo, Deus devia refazer aquela natureza que Ele tinha modelado por sua ação criadora. De fato, aquela natureza que tinha sido criada para gerar para a vida, gerava para a morte. O pecado do primeiro homem, tendo mortalmente ferido a natureza, esta, em vez de ser princípio de vida tornou-se origem de morte. Foi então o grande motivo do nascimento que levou o Cristo a nascer, a fim de que o nascimento do Criador procurasse a cura da natureza e aquela cura desse a vida aos filhos de Adão”.

Mas, concretamente, que podemos dizer de Jesus de Nazaré, o Filho eterno, feito realmente homem no seio de Maria Virgem? Eis o que diz a verdadeira fé: Jesus é a segunda Pessoa da Trindade Santa. No entanto, sem deixar sua natureza divina, assumiu a nossa natureza humana, limitada, sujeita ao crescimento, ao envelhecimento, à morte. “Sua natureza divina aparece eclipsada, escondida nos evangelhos, pois Nosso Senhor, tendo a forma de Deus, assumiu a forma de Servo” (Fl 2,5s), fazendo-se realmente homem. É um mistério profundo e belo: o Filho eterno do Pai viveu em tudo a nossa condição humana, menos o pecado! Na sua natureza divina, jamais deixou o Pai; na sua natureza humana, viveu em tudo nossa condição; na sua natureza divina é infinito, na sua natureza humana foi reclinado na manjedoura e no sepulcro.

A antiga liturgia das Gálias dizia assim: “Aquele que deu forma a todas as coisas recebe a forma de escravo; Aquele que era Deus é gerado na carne; eis que Ele é envolvido em panos, Aquele que era adorado no firmamento; e eis que repousa numa manjedoura Aquele que reinava no céu”. E uma outra oração litúrgica da Igreja antiga exclamava: “Ele estava deitado, envolvido em panos e brilhava entre as estrelas; em sua carne, ele estava envolvido em panos, em sua divindade ele era servido pelos Anjos; ele repousava numa manjedoura, mas seu poder agia nos céus”. E a própria liturgia nossa, latina, canta no dia do Natal: “O Criador do mundo um corpo vil tomou; a carne salva a carne: não perca os que criou! Presépio não despreza – que palhas tão suaves! De leite quis nutrir-se o que alimenta as aves!”
Nenhum de nós caminha sozinho, já que tudo quanto é realmente humano foi assumido por Jesus, foi tocado pelo Filho de Deus feito homem! Que mistério tão profundo! O tempo foi tocado pela eternidade, a história foi visitada pela glória, o homem foi assumido por Deus!

Nos passos, no semblante, nos gestos e nas opções de Jesus de Nazaré nós podemos descobrir o que Deus quer de nós; podemos aprender o que Deus sonhou para a humanidade; podemos contemplar o que é ser realmente humano segundo o coração de Deus! Jesus é o que todos os seres humanos devem ser: totalmente abertos para o Pai, totalmente em paz consigo mesmos, com os outros, com a criação toda, totalmente livres, a ponto de dar a vida por amor! Isso mesmo: o Filho fez-se homem para que pudéssemos aprender o que significa realmente ser humano! Somos humanos de verdade na medida em que nos parecemos com Jesus de Nazaré! Tudo isso são aspectos do mistério da Encarnação; tudo isso é graça do santo Natal.

Tags:

leia também