Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
No dia 31 de maio de 1931, a cidade do Rio de Janeiro viveu um dos momentos mais memoráveis de sua história religiosa e cívica: a solene proclamação de Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do Brasil. Na então capital federal, aos pés do monumento do Cristo Redentor, que seria oficialmente inaugurado em 12 de outubro do mesmo ano, o povo brasileiro, representado por suas autoridades e por milhares de fiéis vindos de todas as regiões do país, consagrou a nação à Mãe de Deus sob o título da Imaculada Conceição Aparecida.
A imagem história veio de trem desde Aparecida parando em cada estação ferroviária e aqui no Rio de Janeiro foi declarada Padroeira do Brasil, como tinha já sido autorizado pelo Papa.
Aquela celebração marcou profundamente a alma nacional. Era como se a fé simples dos pescadores do Paraíba do Sul, que haviam encontrado a pequena imagem no século XVIII, se unisse ao coração do Brasil moderno que despontava na então capital. A presença de Nossa Senhora Aparecida no Rio de Janeiro, centro da vida política e espiritual da nação, simbolizava que a fé que brotara das águas do interior paulista havia se tornado um rio de devoção que banhava todo o país. Graças ao empenho do Cardeal D. Sebastião Leme, cuja memória marca profundamente a história da Igreja e do Brasil, a metrópole carioca pode ser o altar em que a Virgem Aparecida, já coroada em 1904, agora era solenemente aclamada como padroeira e especial protetora de todo este país de dimensões continentais.
Mas é importante recordar que a ligação entre Nossa Senhora Aparecida e o Rio de Janeiro é mais antiga e mais profunda do que pode parecer à primeira vista. Quando, por volta de 1717, os humildes pescadores de Guaratinguetá lançaram suas redes e encontraram a imagem da Mãe Santíssima nas águas do rio Paraíba, aquela região pertencia à jurisdição eclesiástica da então Diocese do Rio de Janeiro (que completa no próximo ano 350 anos). A Arquidiocese de Aparecida, tal como a conhecemos hoje, ainda não existia, e nem mesmo a Diocese de São Paulo havia sido erigida. Era, portanto, o bispo do Rio de Janeiro o pastor responsável por aquele vasto território, que se estendia até o Vale do Paraíba.
Assim, podemos dizer, com legítimo orgulho e gratidão, que a devoção a Nossa Senhora Aparecida nasceu sob o olhar pastoral da Igreja do Rio de Janeiro. A primeira bênção concedida àquela manifestação mariana brotou do coração desta Igreja-mãe, que acompanhou e acolheu o florescimento da fé de um povo simples, mas profundamente mariano. Os inícios da devoção e da primeira capela de Aparecida foi com as bênçãos e autorização do então Bispo do Rio de Janeiro.
Quando, mais de dois séculos depois, o Papa Pio XI declarou Nossa Senhora Aparecida Padroeira principal do Brasil, foi natural que a solene proclamação acontecesse justamente aqui, no Rio de Janeiro, a cidade que, por providência divina, estava unida à origem dessa história de amor entre Maria e o povo brasileiro. A consagração realizada diante do Cristo Redentor selou, de modo simbólico, a união entre o Filho e a Mãe: entre o Redentor e aquela que, como boa Mãe, intercede por seus filhos e os conduz a Jesus.
Hoje, ao recordar esse evento de 1931, nós, filhos da Igreja no Rio de Janeiro, sentimos um chamado à gratidão e à responsabilidade. Gratidão, porque nossa arquidiocese foi o berço espiritual da devoção à Padroeira do Brasil; responsabilidade, porque nos cabe continuar irradiando essa fé viva, essa ternura mariana, para todo o nosso país.
Segundo alguns relatos da época, no centro do Rio de Janeiro, mais de um milhão de pessoas teria se reunido para a grande proclamação.
Que a Virgem Aparecida, que um dia estendeu seu manto sobre os pescadores do Paraíba e, depois, sobre toda a nação, continue a abençoar o Brasil, a proteger as nossas famílias e a inspirar-nos na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. E que o povo do Rio de Janeiro, guardando essa herança preciosa, saiba sempre repetir, com o coração confiante dos seus antepassados: “Senhora Aparecida, intercedei por nós!”.
