Este documento teve “uma pré-história agitada”1. Nasceu de um esquema intitulado Decretum de Judaeis et non-Christianis (1964). Naqueles anos ainda escoavam
os horrores do nazismo e das grandes guerras, e muitos esperavam que a Igreja se pronunciasse a respeito dos conflitos e do anti-semitismo. O contexto, porém, era complexo: de um lado, o desencanto com a paz frágil, o existencialismo ateu e o anti-semitismo em voga; de outro, o movimento sionista, o emergente Estado de Israel, as reivindicações de árabes e palestinos. Não era tarefa fácil pronunciar-se, ainda mais que pairava sobre a Igreja a lembrança da violência anti-judaica em países
cristãos2.
Apesar do desafio, a proposta amadureceu de 1964 a 1965: o Concílio deveria declarar-se a respeito das religiões, sem perder de vista a questão específica do judaísmo. Afinal, o tema das religiões tinha implicações não só políticas, mas teológicas, e deveria articular-se com o que vinha dito nos outros documentos conciliares. Optou-se por uma Declaração sintética, mas de importância capital. Pois nela se publicava a nova atitude da Igreja perante as religiões não-cristãs, desta vez apreciadas em seu valores essenciais. O texto definitivo, promulgado por Paulo VI no dia 28 de outubro de 1965, tem um corpo contínuo de cinco parágrafos, o mais breve documento do Vaticano II. Não se trata de um programa de ação, mas de intenções: a Igreja deseja aproximar-se das religiões, para promover o diálogo e a mútua colaboração (cf. 1 e 5). Mais irênico do que polêmico, o texto “considera sobretudo o que é comum aos homens e os move a viver juntos o seu destino”(1).
Ao longo da reflexão, emergem pontos teologicamente relevantes, especialmente quando a Declaração apresenta certos valores das religiões, apreciados como elementos de santidade e verdade. Como este documento é breve e todo ele dedicado às tradições não-cristãs, nosso estudo o comentará inteiramente, retendo os ítens que mais tocam nosso objeto, a saber, a questão soteriológica.