Em semana decisiva que pode selar o avanço da tese do Marco Temporal sobre as terras indígenas, a Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota na qual chama atenção para o “momento gravíssimo que precisa ser acompanhado por toda a sociedade”.
A tese do Marco Temporal determina basicamente que, para um povo indígena ter um território demarcado, deveria ocupá-lo na data da promulgação da Constituição de 1988 ou estar em disputa por ele na data. Essa compreensão foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal em 2023, mas logo depois o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701, a Lei do Marco Temporal, que será objeto de apreciação da Suprema Corte na próxima quarta-feira.
A Conferência Episcopal tem chamado atenção sobre o objetivo por trás desse tipo de iniciativa legislativa, o que foi reforçado no pronunciamento desta segunda-feira: “O objetivo é promover nova colonização para a extração das riquezas materiais, com colapso socioambiental dos povos e seus modos de vida”, denunciam os bispos.
No Congresso Nacional, está pautada para amanhã, dia 9, a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Marco Temporal. Para os bispos, “É um momento gravíssimo que precisa
ser acompanhado por toda a sociedade. É tempo de firmar os caminhos do bem e da justiça”. Caso haja avanço do marco temporal, será um “terrível retrocesso”.
“Os Senadores devem refletir se vale a pena criar mais uma crise jurídica a partir das vidas dos povos indígenas. E o STF, que possui a nobre missão de zelar pela Constituição Federal, tem em suas mãos, mais uma vez, a oportunidade e a responsabilidade de preservar os direitos fundamentais dos povos indígenas. São cláusulas pétreas que não podem ser modificadas, sequer pelo Legislativo”.
Confira a nota na íntegra:
O MARCO TEMPORAL, A JUSTIÇA E A DEMOCRACIA
“Qualquer um que não pratica a justiça,
e não ama a seu irmão, não é de Deus” (Jo 3,10)
O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para a próxima quarta-feira, dia 10, o início do julgamento da constitucionalidade da Lei 14.701, a Lei do Marco Temporal, promulgada pelo Congresso Nacional. Da mesma forma, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), pautou para terça-feira, dia 9, a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Marco Temporal. É um momento gravíssimo que precisa ser acompanhado por toda a sociedade. É tempo de firmar os caminhos do bem e da justiça.
São normas que alteram de forma substancial o direito dos povos indígenas aos seus territórios, promovendo o maior retrocesso em matéria indígena, desde a Constituição Federal de 1988. O objetivo é promover nova colonização para a extração das riquezas materiais, com colapso socioambiental dos povos e seus modos de vida.
Não existe Marco Temporal como critério para a demarcação das terras indígenas. O STF já afirmou que a Constituição Federal não restringe a demarcação a um marco temporal, ao negar a aplicação deste critério, quando do julgamento de Recurso Extraordinário (RE 107365). Está em curso uma retaliação ao STF. Forças no Congresso aprovaram a Lei do Marco Temporal e pretendem mudar a Constituição.
Os povos indígenas sofrem longo processo de esbulho e de violência. Qualquer alteração é imoral ao negar aos povos indígenas o que lhes pertence por direito. Há, ainda, questões sensíveis e graves como a alteração dos procedimentos de demarcação. Tais procedimentos estão ainda mais morosos. Comunidades aguardam há décadas para que o Estado brasileiro reconheça que a terra que ocupam é indígena. O problema não está no ato administrativo, mas na falta de vontade e de determinação política.
No entanto, as mudanças legislativas, como a Lei e a Proposta de Emenda à Constituição são ainda mais nocivas. Serão abertos caminhos para que esses territórios possam ser explorados. Isto será um terrível retrocesso.
O Estado brasileiro tem deveres legais e históricos com os povos indígenas. A democracia, por sua vez, exige que tais deveres sejam cumpridos. Os Senadores devem refletir se vale a pena criar mais uma crise jurídica a partir das vidas dos povos indígenas. E o STF, que possui a nobre missão de zelar pela Constituição Federal, tem em suas mãos, mais uma vez, a oportunidade e a responsabilidade de preservar os direitos fundamentais dos povos indígenas. São cláusulas pétreas que não podem ser modificadas, sequer pelo Legislativo.
O Papa Francisco já havia destacado que “Quando os povos indígenas são despojados de suas terras, não só perdem seu sustento, mas também algo de sagrado.” (Discurso no Canadá, 2022, durante sua viagem de reconciliação). O Papa Leão XIV reafirma que este “sagrado” dos povos indígenas deve se “apresentar com coragem e liberdade”, na “sua própria riqueza humana, cultural e cristã” (mensagem do Papa Leão XIV às Redes de Povos Nativos e à Rede de Teólogos da Teologia Indígena por ocasião do Ano Jubilar, 2025). A inconstitucionalidade do Marco Temporal é o caminho da paz, da justiça e do sagrado.
Brasília – DF, 8 de dezembro de 2025
Dom Jaime Cardeal Spengler
Arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre – RS
Presidente da CNBBDom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo da Arquidiocese de Goiânia – GO
1º Vice-Presidente da CNBBDom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa
Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife – PE
2º Vice-Presidente da CNBBDom Ricardo Hoepers
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Brasília – DF
Secretário-Geral da CNBB
Foto de capa: Vista da aldeia Beira Rio, Terra Indígena Erikpatsa, do Povo Rikbaktsa | Fernando Frazão/Agência Brasil
