Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora (MG)
Novamente é Advento! Iniciamos mais um Ano Litúrgico, em que escutaremos o Evangelho de São Mateus. Iniciamos uma nova caminhada em que nossas vidas, nossos corações e nossas vozes formam uma única oração em um único espírito, cantando “Maranata”, “Vem, Senhor Jesus!”
A liturgia do primeiro domingo do Advento apresenta um apelo veemente à vigilância. O cristão não deve instalar-se no comodismo, na passividade, no desleixo, na rotina, na indiferença, mas deve caminhar, sempre atento e vigilante, preparado para acolher o Senhor que vem e para responder aos seus desafios.
A primeira leitura (cf. Is 2,1-5) convida os homens – todos os homens, de todas as raças e nações – a dirigirem-se à montanha onde reside o Senhor. É do encontro com o Senhor e com a sua Palavra que resultará um mundo de concórdia, de harmonia, de paz sem fim.
A segunda leitura (cf. Rm 13,11-14a) recomenda aos batizados que despertem da letargia que os mantém presos ao mundo das trevas (o mundo do egoísmo, da injustiça, da mentira e do pecado), que se vistam da luz (a vida de Deus, que Cristo ofereceu a todos) e que caminhem, com alegria e esperança, ao encontro de Jesus, ao encontro da salvação.
O Evangelho (cf. Mt 24,37-44) apela à vigilância. O cristão ideal não vive mergulhado nos prazeres que alienam, nem se deixa sufocar pelo trabalho excessivo, nem adormece numa passividade que lhe rouba as oportunidades; o crente ideal está, em cada minuto que passa, atento e vigilante, acolhendo o Senhor que vem, respondendo aos seus desafios, cumprindo o seu papel, empenhando-se na construção do “Reino”.
No Evangelho a evocação do tempo de Noé e o dilúvio servem para colocar os discípulos, destinatários do discurso (cf. Mt 24,1), de alerta e para os convidar a uma atitude de engajamento e coerência com sua vocação cristã. O dilúvio, como evento de purificação, é água divisora entre um antes e um depois. Parece que o dilúvio os faz abrir os olhos quanto ao modo como viviam: nada percebiam, “até que veio o dilúvio e arrastou a todos” (v. 39). A vida do ser humano não se encerra nos limites da história, nem se resume em comer e beber, nem em procurar “aproveitar a vida”. Na descrição sumária do tempo de Noé, Deus não aparece; é como se ele não contasse para nada. A excessiva preocupação com questões relativas à vida de cada dia e com o bem-estar pode não só nos distanciar das coisas do céu, como também nos fazer prescindir do próprio Deus ou até ignorar sua presença. A história do tempo de Noé, antes do dilúvio, serve para ilustrar esta situação e interpelar os discípulos a que mantenham a vida referida a Deus. A fé em Deus exige uma vida conforme a sua vontade: “Nem todo aquele que me diz Senhor, Senhor!, entrará no Reino dos céus, mas o que faz a vontade do meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21). A vida de quem crê deve ser a expressão da fé que ele professa e do Deus em quem ele põe a sua esperança e confiança. O principal é buscar o Reino de Deus, que antecede todas as coisas, e por Deus o necessário é dado (ver: Lc 12,22-31).
A imprevisibilidade da vinda do Filho do Homem exige uma atitude diferente das pessoas do tempo de Noé, anteriores ao dilúvio (cf. v. 39b-41). A atitude requerida é a da vigilância (cf. v. 42). Vigilância é trabalho de discernimento, é empenho na atividade cotidiana que engaja o homem na sua missão, fruto do seguimento de Jesus Cristo. “É hora de despertarmos do sono”, diz Paulo, “abandonemos as obras das trevas e vistamos as armas da luz; procedamos honestamente como em pleno dia […]. Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (cf. Rm 13,11-14).
Como podemos ser vigilantes? São Paulo, na Segunda Leitura, nos diz que o seremos se “abandonarmos as obras das trevas e nos revestirmos das armas da luz”(cf. Rm 13,12), não vivendo em bebedeiras, nem impurezas ou rivalidades (cf. Rm 13,13), enfim, deixando de praticar aqueles pecados que mais nos perseguem. Quem vive fazendo o bem, brilha. E é este brilho de santidade que mais evangeliza a Igreja; é esta a maior ação missionária que podemos realizar. Quem vive assim, caminha sempre na luz do Senhor Ressuscitado (cf. Is 2,5), a ponto de se transformar também em luz do mundo (cf. Mt 5,14). Tal discípulo está sempre vigilante, preparado a acolher o Filho do Homem quando quer que ele venha. Mais ainda, tal discípulo já se encontra unido ao Filho do Homem e não tem porquê temer a vinda daquele que já está.
A vigilância é tão atual que a antífona de entrada deve acompanhar nosso advento: “A vós, meu Deus, elevo a mina alma. Confio em vós, que eu não seja envergonhado! Não se riam de mim meus inimigos, pois não será desiludido quem em vós espera” (cf. Sl 24,1-3). Vigiemos e oremos, diante do Senhor, que nos colocamos ajoelhados, as nossas alegrias e as nossas esperanças, as nossas angústias e as nossas tristezas, na firme confiança de sua chegada entre nós, amém!