Dom Eduardo Malaspina
Bispo de Itapeva (SP)
O Aroma que Permanece
Um Olhar Contemplativo sobre a Páscoa de Dom José Moreira de Melo, Bispo emérito da Diocese de Itapeva, SP
“Não te aflijas com a pétala que voa: também é ser, deixar de ser assim.”
Cecília Meireles
Existem vidas que se assemelham a jardins. Vidas que, mesmo no outono de sua existência terrena, continuam a exalar um perfume que o vento não dissipa. A partida de Dom José Moreira de Melo, nosso bispo emérito de Itapeva, é como a queda de uma pétala, um desfolhar-se silencioso que nos convida não ao desespero da ausência, mas à contemplação do mistério. A morte, para os que creem, não é um ponto final, mas uma vírgula na narrativa do eterno; uma passagem, uma Páscoa que desvela a plenitude de um amor que nunca se apaga.
Nascido nas terras mineiras de Patrocínio, Dom José trouxe consigo a sobriedade das montanhas e a profundidade dos rios de sua terra natal. Sua jornada, iniciada com a ordenação presbiteral em 1968, floresceu plenamente quando chegou a nós, em Itapeva, no ano de 1996. Por vinte anos, ele foi o nosso pastor, o quinto bispo a guiar esta porção do povo de Deus. Seu lema episcopal, “Solidariedade para evangelizar”, não foi apenas uma frase de efeito, mas a bússola que orientou cada um de seus passos, cada decisão, cada olhar lançado sobre o rebanho que lhe foi confiado.
Seu ministério foi marcado por uma dedicação persistente à edificação da Igreja no sudoeste paulista. Ele não construiu apenas edifícios, mas, tentou edificar pontes. Pontes entre as pessoas, entre as pastorais, entre a Igreja e a sociedade. Queria que os cristãos católicos da sua Diocese pudessem ter um coração que pulsasse no mesmo ritmo das alegrias e esperanças, das tristezas e angústias dos homens e mulheres de seu tempo, especialmente dos mais simples.
Ao meditar sobre a vida de um pastor como Dom José, ressoa em nós a palavra do Apóstolo Paulo, que ele mesmo tanto amava: “Para mim, de fato, o viver é Cristo e o morrer, lucro” (Fl 1,21). Esta perícope reflete a tensão de quem ama apaixonadamente. Paulo se via “pressionado entre duas coisas”: o desejo de partir para estar com Cristo e a necessidade de permanecer para o bem da comunidade. Dom José viveu essa mesma e santa tensão. Seu coração ardia pelo encontro definitivo com o Senhor, mas seus pés permaneciam firmes no chão da missão, gastando-se sem reservas pela Igreja que amava como corpo vivo de Cristo.
Essa liberdade interior, essa santa indiferença entre viver e morrer, não nasce da resignação ou do cansaço, mas de um amor que transborda. É o amor que nos despoja de nós mesmos e nos faz encontrar alegria não na autorrealização, mas na doação. É o amor que, como nos versos de Cecília Meireles, nos ensina a não temer o fim:
“Tu tens um medo: Acabar. Não vês que tudo em ti principia sempre? (…) Que morrerás por idades imensas, até não teres medo de morrer. E então serás eterno.”
Dom José tornou-se eterno não porque a morte o poupou, mas porque ele a abraçou como um ato final de entrega, como o grão de trigo que cai na terra para dar muito fruto. O coágulo que o acometeu em seus últimos dias foi como um selo final em uma vida gasta, uma última partilha de sua fragilidade humana, ele que sempre foi solidário com os frágeis.
Agora, no silêncio que se segue à sua partida, somos chamados a ser guardiões de sua memória. Não uma memória nostálgica que aprisiona no passado, mas uma memória agradecida que se torna semente de futuro. Como nos lembra a sabedoria poética de Adélia Prado, “o que a memória ama, fica eterno”. O que amamos em Dom José – sua serenidade, sua firmeza pastoral, sua fala mansa, seu silencio contemplativo, – permanece conosco, como um aroma que impregna o jardim de nossa Diocese.
Ele, que tanto se dedicou a consolidar nossa Igreja particular, agora a contempla da janela do céu. A pétala voou, mas o perfume ficou. E, como no poema, ele nos ensina sua última lição:
“Eu deixo aroma até nos meus espinhos, ao longe, o vento vai falando em mim.”
Que o vento do Espírito Santo continue a soprar sobre nós, trazendo o bom perfume de Cristo que emanava da vida e do ministério de Dom José Moreira de Melo. E que, ao olharmos para o nosso jardim, vejamos não a ausência da flor que partiu, mas a beleza perene da rosa que, mesmo desfolhada, continua a nos falar de amor, de serviço e de eternidade.
Dom Jose, descanse em paz!
