Dom Pedro José Conti
O meu amigo e eu vimos na sombra do templo um homem cego, sentado no chão e afastado de todos. O meu amigo apontou para ele e falou: – Aquele é o homem mais sábio da terra. Deixei o amigo e fui aproximar-me do cego saudando-o. Assim começamos a falar. Após algumas formalidades eu disse:
– Desculpe a minha indiscrição: há quanto tempo o senhor é cego?
– Desde quando nasci – respondeu.-
– E qual é o caminho da sabedoria que está percorrendo?
Ele disse: – Sou astrônomo. E levando a mão ao peito disse: – Eu fico perscrutando estes sóis, estas luas, estas estrelas.
Emprestei esta história de Kahlil Gibran para introduzir o tempo litúrgico do Advento, que se inicia, e comentar um pouco o evangelho deste primeiro domingo. O cego era “astrônomo”, evidentemente, não dos astros do firmamento, que não podia enxergar, mas daquelas galáxias que, sem dúvida alguma, existem dentro de cada um de nós. Para poder enxergá-las, porém, precisamos olhar-nos no profundo. Nesse caso os olhos não servem, nem bons e nem doentes. Até um cego pode olhar dentro de si, porque conseguimos ver alguma coisa dentro de nós somente se tivermos o desejo de refletir e vontade de entender. Trabalho nada fácil, convenhamos.
Vivemos numa sociedade onde as aparências têm mais valor do que a realidade, onde ficamos cada vez mais fascinados pela exterioridade, e raramente temos tempo para interiorizar as nossas experiências. Muitos de nós vivem sempre atarefados; o fazer é a explicação da vida deles. Outros enchem a cabeça de imagens e de sons, sabem tudo sobre o que passa na televisão, da vida dos famosos, dos últimos sucessos da música, mas conhecem muito pouco sobre a vida deles. Por fim, existem aqueles que por alguma razão teriam tempo para refletir, mas não foram acostumados a pensar, acham cansativo e, afinal, inútil, porque não dá dinheiro.
Dizer isso é a mesma coisa que dizer que estamos vivendo superficialmente. Não percebemos nada, ou quase, do que está acontecendo. O mesmo ocorreu no tempo de Noé, diz Jesus, no evangelho deste domingo. “Todos comiam e bebiam, casavam-se e se davam em casamento”, trabalhavam no campo, moíam o trigo no moinho. Talvez achassem que tudo ia ficar sempre igual, repetitivo e monótono. Foram surpreendidos pelo dilúvio.
Jesus nos lembra a precariedade da vida não para nos amedrontar, mas para nos dizer a verdade e nos convidar a buscar um sentido mais profundo naquilo que fazemos e dizemos. Ficar atentos e vigilantes não significa ter medo, e sim prestar atenção ao que acontece; aprender a refletir, a ter espírito crítico, a questionar. O mais perigoso não é ser roubados por um ladrão que nos pegou desprevenidos. O pior é ser surpreendidos pelos acontecimentos da vida e não saber o porquê. Com isso, não quero dizer que teremos sempre a resposta para tudo. Continuaremos a ser limitados nas possibilidades e na compreensão, mas, ao menos, poderemos escolher o rumo da nossa vida com responsabilidade. Estaremos conscientes da nossa missão na vida, na família, na sociedade. A nossa vida terá um sentido. Talvez em lugar de deixar acontecer, faremos acontecer as coisas.
Por exemplo, alguns devem ter deixado de participar da Igreja simplesmente por não saber mais o porquê o estavam fazendo. O costume não satisfazia mais. Ao invés de buscar de novo o sentido, desistiram. Como se o não responder às perguntas da vida fosse uma resposta. Com certeza ficou o vazio, porque as ocupações ajudam o tempo a passar, mas não satisfazem o nosso coração, que anseia sempre por algo de maior e mais bonito.
Devemos procurar a luz onde ela está. Encontrá-la-emos dentro de nós aprendendo a ouvir a voz da nossa consciência, a escutar o clamor dos pequenos, a reconhecer o mal também quando aparece atraente ou disfarçado de bem.
O tempo antes do Natal é um tempo precioso. Reaviva em nós o desejo de algo e de Alguém que esperamos, mesmo sem saber, porque é a Luz da vida, é a Palavra que explica e convence. Natal não pode ser somente luz de fora, pelas ruas e pelas praças, deve ser luz de dentro da nossa vida. Lá é o lugar da verdadeira Luz que nunca se apaga. Se a deixarmos entrar.