Foi triste ler as declarações do escritor português, José Saramago, sobre a condição humana e sobre Deus. Ele afirmou que a humanidade não merece o dom da vida. Os animais, guiados pelo instinto, são melhores que o ser humano dotado de razão. Suas afirmações, como ele mesmo confessa, exprimem uma raiva incontida. Deus não passa de uma criação da mente humana para enganar-se sobre sua triste condição. A resposta de Saramago a questões tão pungentes foi desde moço a adesão ao comunismo. Embora o comunismo tenha-se revelado incapaz de solucionar o drama humano, Saramago continua carregando consigo essa fé, uma fé com as marcas de seu pessimismo.
O Concílio Vat. II, na Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo de hoje, Gaudium et Spes, ao analisar as várias formas de ateísmo – um fenômeno complexo – afirma: “o ateísmo se origina não raramente ou de um protesto violento contra o mal no mundo, ou do caráter do próprio absoluto que se atribui indevidamente a alguns bens humanos de tal modo que sejam considerados como Deus”(n. 19). Saramago tem raiva do mundo com suas mazelas e injustiças, por isso não pode crer em Deus. Essa raiva, ele a projeta, especialmente na Igreja.
É verdade que o ateísmo é possível. Deus não é uma evidência. É sempre um Deus escondido. É de Pascal a afirmação: “Deus suficientemente revelado nas Escrituras para aqueles que o buscam de todo o coração e Deus suficientemente oculto nas Escrituras para aqueles que não o buscam de todo o coração”. Lembro-me da pergunta dirigida a Deus pelo Papa Bento XVI quando de sua visita ao campo de concentração nazista em Auschwitz: “onde estavas, Senhor?” Os místicos como , por ex., Madre Tereza de Calcutá, experimentaram esta ausência de Deus.
O Deus amado se esconde, uma dolorosa noite envolve o espírito do místico. Mas a certeza da fé e a profundidade do amor não morrem. Tereza de Calcutá, vivendo por longos anos a experiência dessa noite escura, aceita-a e quer vivê-la em comunhão com os ateus de nosso tempo que sofrem, sem esperança e sem fé, essa ausência de Deus. Tereza chega a afirmar que houve momentos em que ela esteve à beira do abismo. A fé sustenta os místicos e estes se tornam sempre mais solidários da humanidade que sofre. Vivendo a dor da ausência de Deus, Tereza afirmou algo mais ou menos assim: “estou disposta a esperar por uma eternidade” a manifestação daquele que tanto amo. Enquanto Ele não vem, Tereza se dedica aos mais infelizes dos seres humanos. Recolhe moribundos nas ruas e diz aos que a questionam sobre a ineficácia desse procedimento que não ataca as causas da miséria: “eles morrerão sabendo que foram amados”.
O tempo do Advento é tempo oportuno para buscar Deus. Ele veio. Ele vem. Ele virá. Ofereço ao leitor trechos da reflexão de Santo Anselmo sobre a procura de Deus. Assim : “Vamos, coragem, pobre homem, foge um pouco de tuas ocupações. Esconde-te um instante do tumulto de teus pensamentos. Põe de parte os cuidados que te absorvem e livra-te das preocupações que te afligem. Dá um pouco de tempo a Deus e repousa n’Ele. Entra no íntimo de tua alma, afasta tudo de ti, exceto Deus ou o que possa ajudar-te a procurá-lo. Agora fala, meu coração, abre-te e diz a Deus: busco a vossa face; é vossa face que eu procuro”.
Consciente de que o ser humano não pode por si mesmo encontrar Deus, mesmo sabendo de sua existência, Santo Anselmo continua: “E vós, Senhor até quando? Até quando, Senhor, nos esquecereis, até quando nos ocultareis vossa face? Quando nos olhareis e nos ouvireis? Quando iluminareis nosso olhos e nos mostrareis vossa face? Quando voltareis a nós? Olhai-nos, Senhor, ouvi-nos, mostrai-vos a nós. Dai-nos novamente a vossa presença para sermos felizes, pois sem vós somos tão infelizes! Tende piedade dos rudes esforços que fazemos para alcançar-vos, nós que nada podemos sem vós. Ensinai-me a vos procurar e mostrai-vos quando vos procuro; pois não posso procurar-vos se não me ensinais e nem encontrar-vos se não vos mostrais.
Que desejando, eu vos procure; procurando, vos deseje; amando-vos, vos encontre e encontrando, vos ame”. Se procurares a Deus de todo o coração, uma estrela aparecerá no firmamento de tua alma, e te conduzirá a uma criança onde Deus está suficientemente revelado para aqueles que o procuram de todo o coração. Advento é tempo de buscar.