O círio como experiência de evangelização

Dom Antonio de Assis
Bispo auxiliar de Belém do Pará (PA)

 

Aproveitando o calor do Círio 2021, que pela segunda vez não aconteceu com todo o seu dinamismo e atividades como de tradição, gostaria de compartilhar com você, caro leitor católico e devoto de Nossa Senhora, algumas questões relativas à maior festa Católica Mariana do Mundo que acontece todos os anos na capital paraense.

A pandemia da COVID-19 lançou um sério convite à humanidade com suas instituições a repensar muitas coisas: o sentido da nossa vida, as nossas prioridades, a necessidade da fé, a importância da saúde, o valor inestimável das ciências, sobretudo da medicina, bem como a urgência da promoção da cultura da ética e da solidariedade humana.

Também a ação pastoral da Igreja está sendo chamada em causa! Não podemos continuar tudo como antes, fingindo que nada de extraordinário aconteceu e negando suas demandas pastorais. Coloco esta reflexão sobre o Círio nesse macro contexto da necessidade de repensamento das nossas estruturas, critérios e dinamismo pastoral.

Sobre isso vejamos o que nos diz o papa Francisco: “Temos, porém, de reconhecer que o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu suficientemente fruto, tornando-se ainda mais próximas das pessoas, sendo âmbitos de viva comunhão e participação e orientando-se completamente para a missão. As outras instituições eclesiais, comunidades de base e pequenas comunidades, movimentos e outras formas de associação são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita para evangelizar todos os ambientes e setores. Frequentemente trazem um novo ardor evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que renovam a Igreja. Mas é muito salutar que não percam o contato com esta realidade muito rica da paróquia local e que se integrem de bom grado na pastoral orgânica da Igreja particular” (EG,28.29). Guardemos essas preciosas provocações e coloquemos o Círio como um instrumento evangelizador dentro de um contexto de novas demandas pastorais.

As dimensões do Círio

É incontestável que um evento na proporção do Círio de Nazaré e com todo o seu peso histórico, tenha muitas dimensões (política, econômica, social, cultural, lúdica, artística, técnica, administrativa). Todavia, nem todas as dimensões têm o mesmo peso e medida, e nem devem. Caso contrário, o Círio perderia a sua identidade. Por isso, especial atenção deve ser dada radicalmente e com todo carinho, à dimensão religiosa que, internamente, traz consigo diversas atividades: a liturgia, a evangelização, a pastoral e a catequese.

A convicção básica é aquela de que o Círio é, na sua essência e em coerência com sua história, um evento religioso católico. O Círio é uma forma de experiência de Deus, portanto, é um evento de Fé, de piedade popular! Não é, administrativamente, uma atividade do governo municipal e nem estadual, apesar desses dois sujeitos, pela significatividade desse evento, darem a sua devida atenção e apoio necessário.

O Círio é para evangelizar

O Círio, por ser uma atividade religiosa católica, tem necessariamente uma missão evangelizadora; o Círio é uma oportunidade de evangelização, de anúncio da pessoa de Jesus Cristo nosso Mestre, Senhor e Salvador; visa o despertar da fé de quem está em sono religioso, de questionar as pessoas para o sentido da vida. O Círio tem também uma dimensão catequética, ou seja, deve através de diferentes meios, aprofundar as verdades da nossa fé, do nosso credo, da vida da Igreja, da vida de Maria e sua relação com Jesus Cristo seu filho e o que isso representa para nós.

O livreto das peregrinações é um instrumento facilitador dessa responsabilidade. Mas também o Círio tem um dever pastoral, ou seja, visa revigorar a animação da fé católica, estimular o vínculo de pertença à Igreja, alimentar a catolicidade, despertar para a liderança pastoral de milhares de pessoas no lugar onde vivem: nas famílias, nos locais de trabalho, nas comunidades, nos grupos de amigos, nos movimentos eclesiais, nos serviços, nas instituições… Isso acontece quando as pessoas se organizam, se juntam, formam grupos, decoram ambientes, preparam celebrações, etc. Isso deve, cada vez mais, ser incentivado em todos os contextos: nas famílias, nas comunidades, nas capelas, nos condomínios, nos edifícios, nas ruas, nas instituições, nos movimentos. Para isso é preciso que repensemos na acessibilidade dos meios como os cartazes, as imagens e os livretos chegam ao povo. Os cartazes, se forem mais acessíveis, poderiam ser um lindo sinal de cada casa católica. Favoreçamos isso!

A visita da imagem peregrina estimula esse clima de piedade. Essa dimensão evangelizadora, pastoral e catequética, é de responsabilidade de todos os fieis. Mas há um dever hierárquico de responsabilidade. Não é algo para ser votado ou decidido por um grupo. Todos estamos submissos ao dever da evangelização e essa deve ser a primeira responsabilidade dos bispos, sacerdotes, diáconos, Diretoria do Círio e forças vivas da Arquidiocese.

A responsabilidade evangelizadora deve estar na mente e no coração de todos aqueles que estão diretamente envolvidos na preparação do Círio e há muitos níveis de responsabilidades. Ninguém deve ter simplesmente um papel técnico. A Igreja vive para evangelizar e essa é a sua razão de ser no mundo, por isso todas, as suas estruturas e atividades tem essa finalidade. Tudo deve ser um meio para a evangelização. Por isso o Círio é um instrumento de evangelização, de promoção da pregação da Palavra de Deus, de alimento para fé católica. Ai de nós, líderes, em suas mais variadas atividades, se perdermos esse foco! A evangelização deve perpassar a totalidade das atividades do Círio. Uma categoria de pessoas que precisa de especial atenção é a juventude.

  1. Redimensionar para evangelizar

Diante desse fator determinante que é a evangelização, tudo deve ser programado, redimensionado e avaliado. De nada adiantaria tantas preocupações técnicas e econômicas se o essencial não fosse alcançado! Com o Círio queremos mesmo é revitalizar a fé dos fieis católicos, fazer com que Jesus se torne mais conhecido, amado, seguido; que amem a sua Igreja, que o povo admire as virtudes de nossa Senhora, dê glória a Deus, queiram cultivar as suas virtudes, sejam bons e sejam salvos!

Nessa perspectiva evangelizadora e pastoral, talvez haja a necessidade de um redimensionamento dos trajetos da Romaria Rodoviária e agenda de visitas da imagem peregrina. Há lugares por onde a imagem nunca passou, sobretudo nas periferias. Neste ano acontecerem algumas mudanças e o povo gostou. Não tenhamos medo de levar a imagem peregrina, festivamente, para visitar com calma, seus filhos de Maria mais excluídos e pobres! Talvez esse redimensionamento, precise de menos espetáculo e mais atenção pastoral; menos estresse e mais leveza capaz de causar surpresa; menos preocupação com ritmo e horário, e mais conteúdo a ser oferecido ao povo nas ruas. Não basta fazer a imagem passar, é necessário algo mais! Mensagens, reflexões, músicas, palavras estimulantes! Quem sabe pensarmos em duas romarias, com estilos, conteúdos e dias diferentes? Evangelizar é preciso!

  1. Dimensão popular e sinodal do Círio

O Círio é do povo porque a Igreja é o povo de Deus. Não podemos imaginar o Círio sem esse mar de gente! Não é admissível pensar na berlinda, solitária, sendo carregada por uma elite. Nem a corda seria puxada! Ela pesa e é longa! Por isso, abramos todas as portas para que o povo de múltiplas formas participe com a sua alegria e o seu entusiasmo.

A dimensão popular do Círio nos convoca para o aprofundamento de uma série de importantes questões tais como: o relançamento das peregrinações em todas as paróquias, a importância da promoção dos grupos de estudos como compromissos de evangelização, a capacitação das lideranças, a bênção das imagens, o envio dos missionários nas paróquias, a disponibilidade de confessores na basílica, etc. Impulsionados pelo Círio, os líderes da Igreja em todos os níveis somos chamados a promover e proteger a piedade popular, pois nela se expressa a fé de diversas formas e isso reflete uma sede de Deus que somente os pobres e simples podem conhecer (cf. DA, 258). Lamentavelmente há paróquias onde isso não entra na agenda paroquial.

O Círio de Nossa Senhora de Nazaré não é da basílica, nem dos padres barnabitas, nem da Diretoria do Círio; não é dos bispos, dos padres, religiosas(os) e nem dos diáconos. A bem da verdade, se o Círio é patrimônio da Igreja, então somos todos chamados a contribuir, a dar ideias, a cuidar da sua finalidade, a zelar pela sua natureza, cada um em seu âmbito de responsabilidade específica. Precisamos de um relançamento dessa ação conjunta. Por isso, me pergunto: como poderíamos ver mais presentes no Círio e em suas atividades, os sacerdotes, os diáconos, os movimentos leigos, os religiosos (as)? Esse vazio parece perceptível e crescente, sobretudo nas missas das quinzenas.

Essa dimensão sinodal do processo de preparação do Círio deve ir para a nossa agenda. Ampliar a corresponsabilidade das forças vivas da Arquidiocese é necessária. Essa poderia ser uma experiência de renovação de muitos movimentos e carismas.

PARA REFLEXÃO:

  1. O que podemos fazer para fortalecer a dimensão evangelizadora e pastoral do Círio?
  2. Você se sente envolvido ou representado no processo de preparação do Círio?

O que você pensa dessa dimensão sinodal (necessária ação conjunta) do Círio?

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