Um mestre perguntou aos seus discípulos quando e como, no entender deles, a noite havia acabado e o dia estava começando:

Um respondeu: – Quando enxergo um animal de longe e consigo distinguir se é uma vaca ou um cavalo.

– Não – disse o mestre.

Outro discípulo falou: – Quando olho uma árvore de longe e consigo saber se é, ou não, uma mangueira.

-Você também está errado – declarou o mestre.

– Então, como podemos saber quando noite acaba e o dia começa? – perguntaram os discípulos.

-Quando olhando nos olhos de um homem qualquer conseguem reconhecer nele um irmão. Quando olhando nos olhos de uma mulher qualquer reconhecem nela uma irmã. Se não conseguimos fazer isso, ainda estamos na noite, mesmo se o sol está alto no céu.

Difícil não concordar com o mestre da historinha. Relacionar-nos bem com os outros e considerá-los merecedores da mesma dignidade, valor e respeito não é coisa simples. Menos ainda enxergá-los e aceitá-los como irmãos e irmãs. Sempre teremos mil desculpas para não fazer isso. Seja pelo fato de não o conhecermos realmente e seria imprudente confiar neles, seja porque, no fundo, nós gostamos de ter algum privilégio. Se nos olhássemos mais como irmãos e irmãs não precisaríamos de tantas placas identificando as filas especiais para idosos, portadores de deficiência e gestantes, ou de tarjetas para reservar vagas nos ônibus e em outros lugares. Por exemplo, deveria ser espontâneo e comum ver um jovem ceder o assento para um idoso. No entanto precisamos fazer leis, porque a simples e boa educação, a solidariedade e a generosidade estão, cada vez mais, escassas. Numa sociedade de gente apressada, preocupada apenas com os seus afazeres e só o que lhe interessa é importante, até parar um pouco no semáforo parece um grave incômodo: mal abre o sinal e já estão buzinando. A luz do dia, a luz que nos permite ver os outros como irmãos e irmãs ainda deve chegar.

No domingo em que celebramos a Assunção de Nossa Senhora ao céu, vamos nos deixar tocar pelo encontro de Maria com sua parenta Isabel. Tudo é alegria! Tudo é louvor! A idosa, considerada estéril, agradece pelo filho inesperado, e a jovem canta a grandeza de Deus, sua justiça, bondade e fidelidade. Cada uma teria mil razões para, sozinha, alegrar-se ou se vangloriar pela própria situação. No entanto elas preferem partilhar entre si as maravilhas que Deus está realizando. Ver coisas boas – e não somente defeitos – nos outros é o primeiro sinal de uma humanidade renovada, de uma fraternidade que começa a vencer as divisões, os pré-conceitos, os rancores e as disputas. Partilhar alegrias e sofrimentos, saber exultar pelas conquistas dos outros, sem inveja, e saber consolar nas horas da provação são, também, conseqüências de novos relacionamentos humanos, mais ricos de compaixão e de ternura. Maria e Isabel serão sempre um exemplo e um incentivo para nós. Elas se sentem filhas tão amadas pelo Pai, por isso não podem deixar de agradecer juntas por tão grandes dádivas.

Nós também queremos agradecer pelo exemplo de fraternidade e louvor a Deus que os religiosos e as religiosas nos dão; cada um e cada uma vivendo com dedicação e perseverança, conforme o jeito da própria família religiosa, na caridade e na oração. São os religiosos e as religiosas que fazem os votos de pobreza, castidade e obediência. Fazem isso livremente e, entendemos, motivados por alguma razão que consideram tão valiosa, que vale a pena deixar outras coisas, também importantes, como a família, a profissão e as próprias posses.

Dos três votos, porém, talvez o mais difícil seja a vida comunitária. Os religiosos e as religiosas não escolhem com quem viver. Obedecem e vão aonde são enviados partilhando a vida com quem estiver junto na casa. O compromisso é, justamente, viver da maneira mais exemplar possível a fraternidade e a comunhão. Cada comunidade religiosa gostaria muito ser um exemplo de novos relacionamentos humanos, na busca de uma convivência alegre e amorosa, não por razões de parentesco ou de interesse, mas, simplesmente, pela alegria de todos crescerem nas virtudes humanas e cristãs. Foi, e sempre será, essa busca de uma nova humanidade que atraiu e atrai novos membros para a vida religiosa. É um grande desafio: mostrar que Deus ainda transforma corações e temperamentos, conduzindo os que se deixam conduzir rumo à nova humanidade apresentada por Jesus com perfeição em sua vida terrena. Cada comunidade religiosa, grande ou pequena, esforça-se para ser uma pequena luz do grande e luminoso dia da fraternidade e do amor universais. É o começo.

Dom Pedro José Conti

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