Dom Leomar Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

Vivemos em tempos de muita informação, correria e imagens retocadas. Mas, no meio disso tudo, corremos o risco de esquecer algo fundamental: nosso corpo real. Não o corpo idealizado das propagandas, mas aquele que carregamos todos os dias, com suas marcas, limites e belezas. O corpo é muito mais do que aparência: ele é parte de quem somos. 

Corpo e alma: uma só pessoa 

Muita gente ainda pensa que o ser humano é “alma por dentro e corpo por fora”, como se fossem duas realidades separadas. Mas a fé cristã ensina que somos corpo e alma juntos, numa única pessoa. O corpo não é apenas um invólucro da alma: ele é a primeira linguagem da pessoa. Quando tocamos um corpo, tocamos alguém amado por Deus. Desprezar o corpo é desprezar uma vida. 

É pelo corpo que vivemos e nos relacionamos: sentimos frio, choramos, rimos, rezamos, trabalhamos e amamos. O corpo fala de nós antes mesmo das palavras. Nosso modo de andar, olhar, vestir e tocar comunica algo sobre o que sentimos e pensamos. Não somos apenas “donos” de um corpo. Somos corporais. 

Cada pessoa tem um corpo único. Essa diversidade é uma bênção. Homens e mulheres, por exemplo, têm corpos diferentes — não em valor, mas em natureza. As diferenças corporais refletem a riqueza interior, que nos enriquece e nos ajuda a crescer em compreensão mútua. A diferença não é obstáculo, mas caminho para a comunhão. 

Corpo: lugar do espiritual 

Nosso corpo é morada do espírito. Amor, fé, esperança e compaixão se expressam por meio dele. Quando oramos, usamos a voz. Quando ajudamos alguém, estendemos a mão. Quando abraçamos, transmitimos consolo. O corpo permite fazer o bem, criar beleza, servir com justiça e viver a fé de forma encarnada. 

A Bíblia mostra que Deus nos criou corpo e alma. Moldou-nos com Suas Mãos e soprou em nós Seu Espírito (cf. Gn 2,7). O corpo, portanto, é dom sagrado de Deus. E para revelar o quanto o corpo importa, o próprio Jesus assumiu um corpo como o nosso: nasceu, caminhou, trabalhou, sofreu, morreu e ressuscitou com um corpo glorioso. Isso mostra que o corpo humano participa da salvação. 

Visões erradas ao longo da história 

Durante séculos, muitas ideias erradas tentaram separar corpo e alma. Algumas viam o corpo como fonte do pecado; outras, mais modernas, o tratam como produto de consumo, algo que pode ser moldado ao gosto de cada um. Ambas negam o verdadeiro valor do corpo. A fé cristã, ao contrário, ensina que o corpo é digno, relacional e sagrado — sinal da nossa vocação ao amor e à comunhão. 

Cuidar do corpo é um ato de gratidão 

Cuidar do corpo não é vaidade, mas respeito e gratidão. Alimentar-se bem, descansar, fazer exercícios, cuidar da higiene e da saúde são maneiras de agradecer a Deus pelo dom da vida. E mais: respeitar o corpo do outro, cuidar dos doentes, proteger os frágeis, acolher os idosos e as crianças _ tudo isso expressa que todo corpo humano é morada e sinal da presença de Deus. 

Nosso corpo nos acompanha por todas as fases da vida. Ele muda: cresce, amadurece, envelhece. Passa por tempos bons e difíceis. Em cada fase, ele permanece lugar onde vivemos a fé, o amor e a solidariedade. E, como cremos, Deus o transformará um dia, dando-nos um corpo novo, glorioso, cheio de luz e vida eterna. 

Por isso, não tenha vergonha do seu corpo. Agradeça por ele, cuide com carinho e veja, em cada corpo, o rosto de alguém que Deus ama. O corpo humano não é um peso nem um acessório. É um dom precioso que nos faz ser quem somos. Nele, carregamos a imagem e a missão que Deus nos confiou: amar, servir e viver como filhos e filhas muito amados.