Dom Adelar Baruffi
Bispo de Cruz Alta
Em sua Mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Francisco citou um versículo da Escritura que espelha a realidade atual: “Porque se multiplicará a iniquidade, vai esfriar o amor de muitos” (Mt 24,12). Realmente a iniquidade se multiplica na sua maneira, nas suas artimanhas e na sua intensidade. A corrupção e a falta de ética nas relações está presente de maneira ampla na sociedade. A violência assume níveis insuportáveis e quer “eliminar” todos os que podem ser uma “ameaça”: “o bebê nascituro, o idoso doente, o hóspede de passagem, o estrangeiro, mas também o próximo que não corresponde às nossas expectativas” (Francisco). O Papa fala de um “esfriamento do amor”, que atinge as pessoas e também a criação. No seu lugar, se instala a indiferença diante de tudo o que nos cerca, que nossos olhos não veem, que nossas mãos não tocam. As dificuldades que sentimos de nos amarmos, o crescente ódio com polarizações de posições ideológicas, o desejo de construir muros e expurgar quem é diferente de mim, a falta de respeito e tolerância religiosa, a cultura do descarte, que produz sobras humanas, e tantas outras situações pessoais e sociais, nos fazem concordar com o Papa que vivemos um “esmorecimento do sentido de humanidade”.
Os falsos profetas, que são peritos na arte de enganar, tiram a esperança e a alegria de viver, “aproveitam-se das emoções humanas para escravizar as pessoas e levá-las para onde eles querem. Quantos filhos de Deus acabam encantados pelas adulações dum prazer de poucos instantes que se confunde com a felicidade! Quantos homens e mulheres vivem fascinados pela ilusão do dinheiro, quando este, na realidade, os tornam escravos do lucro ou de interesses mesquinhos! Quantos vivem pensando que se bastam a si mesmos e caem vítimas da solidão!” […] “a quantos jovens se oferece o falso remédio da droga, de relações passageiras, de lucros fáceis, mas desonestos!” diz Francisco.
A caminhada da Quaresma nos convida a olharmos esta realidade e fazermos um caminho sincero de conversão. Qual a minha parcela de responsabilidade diante desta realidade? A Igreja apresenta aos católicos um caminho, com o olhar fixo em Jesus Cristo, Crucificado e Ressuscitado, fonte inesgotável de vida nova. A possibilidade da conversão é fonte de esperança, para construirmos projetos de fraternidade, com um coração misericordioso ao invés de frio, com uma sociedade solidária ao invés de excludente e violenta. Temos certeza que “em Cristo somos todos irmãos” (Mt 23,8) e podemos formar uma humanidade mais feliz.
O tempo de conversão é também fonte de alegria, pois nos revela a misericórdia de Deus que sempre se oferece a nós. Uma oração deste tempo diz: “Vós concedeis, Senhor, aos cristãos esperar com alegria, cada ano, a festa da Páscoa”. Deixemos guiar pela Palavra. Acolhamos o convite para intensificar a oração, o jejum e a caridade. Deixemo-nos tocar pelos sofrimentos dos irmãos e irmãs, para que eles nos ajudem a sermos mais compassivos e solidários. Aprendamos do Senhor Jesus, que na Cruz venceu todo mal unicamente com o bem, o amor, único capaz de nos fazer verdadeiramente humanos.