Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
O rancor, a vingança, a denúncia agressiva, a delação e todo tipo de acusações, as guerras, a violência urbana e rural, tudo se espalha pela terra até os nossos dias. É impressionante como a maldade mostra suas garras, até em nome da defesa de valores morais e sociais, mas sempre usando as armas erradas que, ao pretenderem vencer o mal, destroem as pessoas, sua fama e dignidade. Parece que as lições do Evangelho, assim como outras magníficas indicações vindas inclusive de outras tradições religiosas encontram ouvido de mercador, aquele que não presta atenção em nada além dos próprios interesses, no coração da humanidade. Trata-se de uma luta renhida em que o egoísmo domina as relações entre as pessoas, as comunidades e as nações. Pensemos em nosso país e na verdadeira luta livre entre grupos e tendências, com a torcida de tantos que se alegram ao ver a queda dos adversários! Ao mesmo tempo, espalha-se um relaxamento moral, com afrouxamento das consciências e a inversão de uma adequada ordem de valores, capaz de organizar a convivência humana.
Não se trata de uma descrição pessimista da realidade, mas quer ser uma chamada de atenção a todos nós, esquecidos que estamos de alguns princípios básicos e restauradores dos laços entre as pessoas. Justamente neste período a Liturgia da Igreja oferece aos fiéis o discurso de Jesus a respeito da vida Comunitária (Mt 18, 1-35), estabelecendo os parâmetros para a convivência decorrente da nova Aliança, que se realiza em seu Mistério Pascal de Morte e Ressurreição.
Para ajudar nossa memória, já no final do primeiro século, os cristãos vindos do judaísmo, após o grande desastre da destruição de Jerusalém pelos romanos, tiveram vários problemas para a reconciliação entre pessoas da mesma raça na Síria e na Palestina, áreas que até hoje vivem focos de incompreensão e dificuldades para a convivência. O texto do Evangelho de São Mateus foi escrito com este pano de fundo, ajudando no processo de aproximação entre as pessoas, superando preconceitos e encaminhando a prática de um segredo próprio dos cristãos, o perdão.
Nosso amigo Simão Pedro apresenta a Jesus uma pergunta a respeito do perdão. Sete vezes já era muito, um número que significa perfeição. A resposta de Jesus mostra que não existe proporção entre o perdão que recebemos de Deus e o nosso perdão ao próximo. E Jesus conta a parábola do perdão sem limites! (Mt 18, 21-35)
Quando Jesus fala do rei, pensa no Pai do Céu. A dívida era incomensurável, absurda. O servo promete pagar, mas nunca seria capaz de recolher cento e sessenta e quatro toneladas de ouro. É verdade, olhando para Deus, nunca seremos capazes de acertar o nosso débito! Depois o mesmo servo não é capaz de perdoar uma ínfima dívida correspondente a trinta gramas de ouro. É como comparar um grão de areia com uma montanha! O contraste fala por si. A parábola continua, com a moral da história: “É assim que o meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de coração ao seu irmão” (Mt 18,35). De fato, o único limite à gratuidade da misericórdia de Deus que nos perdoa sempre, é nossa recusa de perdoar os irmãos.
A avalanche de maldade e agressão que nos referimos pode e deve encontrar uma saída. A reconciliação entre pessoas e povos precisa urgentemente encontrar um lugar no coração humano. Começa com uma purificação interior, desarmamento moral de quem escolhe o caminho do bem e não a maldade. Só escolhendo Deus como Senhor de nossas vidas pode acontecer esta mudança, pois só Ele nos habilita, com sua graça, no caminho da reconciliação. Depois, faz-se necessário acreditar que existe o bem nas outras pessoas que agem ou pensam de modo diferente do nosso. Quem se considera dono da verdade e vê os outros como inimigos ou adversários não empreenderá o caminho da reconciliação e da paz. Em seguida, o perdão sem limites começa nos pequenos gestos de perdão e de superação de resistências e antipatias, que bloqueiam nosso contato com os outros. Se o perdão foi feito para a gente pedir, tomar a iniciativa, indo ao encontro dos outros, milhares de vezes, sempre. Pedir perdão desmonta toda cara feia, toda maldade enrustida no coração. Mas é fundamental saber dar este perdão aos outros, não se fechar nos próprios sentimentos feridos pela maldade reinante no coração dos outros e no nosso. Para perdoar sempre e sem limites, será necessário construir pontes entre os diferentes, feitas de gestos e palavras.
Há poucos dias, assim se expressou o Papa Francisco, na visita à Colômbia: “Jesus pede-nos para rezarmos juntos; que a nossa oração seja sinfônica, com matizes pessoais, acentuações diferentes, mas que se erga de maneira concorde num único grito. Estou certo de que hoje rezamos juntos pelo resgate daqueles que erraram e não pela sua destruição, pela justiça e não pela vingança, pela reparação na verdade e não no seu esquecimento. Rezamos para cumprir o lema desta visita: ‘Demos o primeiro passo’, e que este primeiro passo seja numa direção comum… Ele sempre nos pede para darmos um passo decidido e seguro rumo aos irmãos, renunciando à pretensão de sermos perdoados sem perdoar, de sermos amados sem amar. Dar um passo nesta direção, que é a do bem comum, da equidade, da justiça, do respeito pela natureza humana e as suas exigências. Só se ajudarmos a desatar os nós da violência, é que desmontaremos a complexa teia dos conflitos: é-nos pedido para darmos o passo do encontro com os irmãos, tendo a coragem duma correção que não quer expulsar mas integrar; é-nos pedido para sermos caridosamente firmes naquilo que não é negociável; em suma, a exigência é construir a paz ‘falando, não com a língua, mas com as mãos e as obras’ (São Pedro Claver), e juntos erguermos os olhos ao céu: Jesus Cristo é capaz de desatar aquilo que nos parecia impossível; Ele prometeu acompanhar-nos até ao fim dos tempos, e não deixará estéril um esforço tão grande” (Homilia do Papa Francisco em Cartagena, Colômbia).