O Jurista que se fez poeta

Acostumado em São Paulo a conviver na Faculdade com os mestres do Direito, na sala dos professores e nos intervalos das aulas, a idéia, que deles fazia, era de homens sisudos, retos sim, mas pouco comunicativos. Um deles, professor de Direito Romano, de pouca prosa, era muito culto, respeitado por sua cultura, mas não se dignava conversar com aluno. Foi o tradutor da “Summa Theologica” de Santo Tomás, do latim para o português. Um monumento de sabedoria, antes inacessível aos demais.

Com esta experiência do passado, inicialmente eu não podia ver no singular amigo Ives Gandra Martins, que no seu programa de TV analisa os cânones do Direito, professor que é, o inspirado poeta da Academia Paulista de Letras, embora já tivesse lido várias de sua obras. Invejável talento.

Agora recebo pelo correio seu mais novo livro: “Cinquenta Poemas Escolhidos”. Ele nos diz no prefácio: “são poemas de reflexão interior e lirismo exterior que me permitissem enfrentar a vida conturbada de advogado e professor”. E explica o por que: “A poesia é pois o descanso do guerreiro”.

Onde vai o Autor buscar sua inspiração lírica? Ele o confessa claramente: seus poemas “têm como permanente inspiração minha colega de Faculdade, Ruth, com quem namoro há 55 anos e estou casado há 50”. Já escrevera antes outra obra a ela dedicada. E isto nos faz entender melhor que o juramento à beira do altar é, por graça de Deus, irrevogável e inextinguível, mesmo que venham a surgir pretextos que poderiam esfriar o amor. Não teria sido isto o motivo de Camões ter proclamado: “Que é tanto mais o amor depois que amais, quanto são mais as causas de ser menos”?

Vale a pena saber que “o poeta é o mensageiro da esperança (…) que sonha flores e descobre estrelas”. E se sente navegador “dirigido pelos astros”, mas naufragado “em dois escolhos encontrados no golfo dos teus olhos”. A vida para o poeta é sempre cheia de sol, de azul, nunca tempo de lua, mas de aurora sempre.

Não se pode pois pensar que as alturas da ciência, qualquer que seja seu campo de pesquisa, sejam tristes e áridas, como as areias do deserto. A ciência, luminosa que seja, pode ser um jardim colorido de flores, como tem sido para o meu Amigo.

Nem se deve pensar que o encantamento de um homem por sua escolhida deva ser despido de ternura. O Cântico dos Cânticos, que a Bíblia nos traz, é recheado de expressões de amor pela beleza da pessoa amada. O coração humano, quando ama de verdade, costuma expressar-se com o colorido das imagens. As ideias se tornam pálidas diante de acelerado pulsar do coração. Ives, o jurista que se fez poeta.

Dom Benedicto de Ulhôa Vieira

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