Dom Rubens Sevilha
Bispo de Bauru (SP)
Estamos todos muito curiosos para saber como será o mundo após esse período de crise que estamos passando. São João da Cruz chama de “noite escura” estes períodos difíceis da vida que, repentinamente, sem aviso prévio, caem sobre nós. Alguma coisa boa sempre brota no árido, mas fecundo, terreno da dor. Até do mal, Deus tira o bem, ensinou Santo Agostinho.
Não sabemos se o ser humano sairá melhor dessa experiência ou se sairá pior do que entrou, tornando-se ainda mais pessimista e desiludido com a vida; talvez o mundo continuará igual, semelhante ao motorista que diminui a velocidade ao passar temeroso diante de um acidente na estrada, mas a poucos quilômetros depois, acelera novamente como se nada tivesse acontecido.
Como ninguém sabe como será o futuro, podemos pelo menos conjecturar. Eu acho que o mundo vai ser um pouco melhor. Não será uma melhora total e nem começará, obviamente, o admirável mundo novo. Porém, como o sofrimento sempre ensina algo, esta experiência de fragilidade e impotência do homem diante do minúsculo e invisível vírus, deve atenuar a pretensa arrogância e superioridade do homem moderno.
O inchaço do ego, potenciado pela internet que deu voz a todos, fez o homem atual sentir-se único e poderoso, acima do bem e do mal, inatingível. E eis que, repentinamente, sente-se acuado e medroso, olhando o mundo perigoso pela janela da casa (ou pela janela da internet), exatamente como um animal em pânico ofegante no fundo da sua toca.
Nós vamos sair da toca melhores do que entramos, porque sairemos mais verdadeiros, ou seja, um pouco mais humildes e mais humanos, pois estamos sendo dolorosamente colocados no nosso devido lugar, isto é, somos criaturas limitadas e imperfeitas e somente o Criador é eterno e onipotente.
Provavelmente a humanidade será mais simples, menos consumista e mais solidária, pois aprendeu no confinamento e no medo que, de fato, precisamos de poucas coisas essenciais para viver. Alguns aproveitaram do tédio do isolamento para se desfazer das inúmeras coisas inúteis que foram juntando ao longo dos anos. Percebemos na pandemia que estamos todos ligados por uma forte teia invisível, para o bem e para o mal.
Hoje estamos experimentando na carne e no bolso o mal imediato do coronavírus, mas estão sendo também revelados outros males tanto da alma (egoísmo, carência de valores nobres, consumismo fútil, mesquinhez de espírito e falta de sentido para viver etc.) como males da sociedade (a absurda e intolerável desigualdade social, a pouca consciência sobre o bem comum, a falta do hábito de poupar e não pensar no dia de amanhã, o Estado despreparado diante de crises etc.).
Caso se confirme o advento de uma vida mais simples, sem as inúteis ostentações consumistas, teremos, além de uma sociedade mais feliz, também uma Casa Comum mais limpa e ainda mais bonita e generosa do que já o é.
A economia finalmente será centrada no homem, buscando o bem comum e o bem de cada um. O Estado, além de proporcionar para todos saúde de qualidade, educação, moradia digna e a segurança pública, irá caminhar de mãos dadas com todos os outros povos irmãos da pátria comum chamada Humanidade.
A fé sairá mais fortalecida pois, infelizmente, quem não se aproxima de Deus por amor, irá pela dor. Enfim, sonhar não custa nada e nos ajuda a aguentar a quarentena. Seja feliz!