Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas (TO)
Estamos nos aproximando do mês, que convencionamos chamar mês de férias, mais conhecido como julho. Quisera eu já estar aqui, de saída, melhor dizendo, de partida ao interior do meu interior, onde Deus possa me ouvir e eu ouvi-lo. Quisera eu encontrar-me e encontrá-lo como um amigo encontra outro amigo, para sentarmos e conversarmos. Falar e silenciar. Ouvir e ser ouvido. Curtir o ócio criativo e contemplativo do meu ofício. Saborear o sentido da desocupação suave e prazerosa, na ociosidade: “não fazendo nada”, como diz a música: “sem rádio e sem notícias das terras civilizadas”. Este é o meu ócio do ofício.
Nada de “deixa a vida me levar”. Mas, ócio como este não faz mal a ninguém. Ócio assim não é preguiça, tempo perdido, vida fácil e nem folgada. É, ao contrário, ócio criativo e contemplativo. O tempo do ócio não se mede só pelo cronos, mas pelo kairós. Crono é a representação veloz e tirana do tempo; enquanto que kairós é a representação do tempo certo, oportuno, gratuito e ocioso. Diz a mitologia grega que o kairós é careca, quase como eu, para que ninguém o agarre, o segure pelos cabelos e o retenha.
O mundo está meio tóxico, chato, letargo; meio mavioso e azedo. Somos a sociedade do estresse, da aspereza, do gosto amargo de viver e do azedume. A nossa é a humanidade desumanizada e desumanizante. A nossa é uma sociedade do ego inflado. A vida, as relações humanas e as lideranças estão todas tóxicas. Há azedumes e gotas de venenos espalhadas por todos os lados, para todos os gostos. É preciso inventar novas formas de viver para fugir da rotina, do desespero, da solidão e da falta de sentido. Preciso de outros ares rarefeitos e filtrados, não viciados, intoxicados ou contaminados. Preciso passar pelos filtros da higiene e da saúde mental. Preciso abrir portas e janelas e sair às ruas, em busca do interior do nosso interior. Por tudo isto e, por mais do que isto, faço meus estes princípios éticos universais do ócio criativo e contemplativo:
Quisera eu despir-me e despedir-me do meu cansaço e da minha fadiga, da minha monotonia, do meu fastio e da minha doença. Quisera eu ter tempo para ler, escrever e rezar a Teologia do coração ocioso, da qual Jesus é meu Mestre e Senhor. Falar ao coração e ouvir de coração, sem a impaciência e a incapacidade de ouvir, próprios da nossa sociedade. Quisera eu espairecer, viver as dimensões lúdica, ecológica, criativa, solidária e festiva do ócio criativo e contemplativo do meu ofício.
Quisera eu ser levado sobre asas de águia, como o povo de Deus, na sua saída do Egito, para a terra prometida (Ex 19,4). Quisera eu ser como Abraão para sair de minha terra e ir à terra que Deus me preparou para eu ser pai de uma multidão de incontáveis (Gn 12,1-2). Quisera eu ser como o salmista para ir acordar a aurora (Sl 57,9). Quisera eu ter asas, quais passarinhos, para voar, subir, fugir para longe, para o deserto à espera de quem me salve (Sl 55,7-9); e viver como já escrevi em uma canção: “livre, leve, firme, com decisão e em oração!”
Quisera eu ser como a Sagrada Família, na fuga para o Egito e de lá retornar quando as condições optimais de vida permitirem (Mt 2,13ss). Quisera eu ser como o vento e o Espírito que sopram onde, como e quando querem (Jo 3,8). Quisera eu ser um João Batista para preparar os caminhos do Senhor (Lc 1,76). Quisera eu ser um Nicodemos para um colóquio noturno para eu nascer de novo e do alto (Jo 3,3-8). Quisera eu ser um Mateus para atrair o olhar de Jesus e ouvir dos seus lábios: “segue-me!” (Mt 9,9). Quisera eu ser um Zaqueu para chamar a sua atenção sobre mim (Lc 19,1ss).
Quisera eu, enfim, ser como Santa Teresinha do Menino Jesus. Teresinha é o modelo do ócio criativo e contemplativo. E eu me inspiro nela. Irrequieta, insatisfeita e peregrina do Espírito, dócil ao vento do Espírito, procurou um caminho novo para descansar nos braços do Amado; e buscou encontrar o seu lugar na Igreja. E encontrando o Amor, conseguiu realizar todas as vocações. Às vezes, quando falamos de amor, nos faltam a esperança de caminhar, a alegria de partilhar e o ócio criativo e contemplativo se transforma em descompromisso, indiferença, egoísmo e autorreferencialidade. Eis o caminho para reencontrar a alegria que nasce da cruz: a vocação ao amor no coração da Igreja!
Portanto, já estou de malas prontas e de passagens compradas para viver o ócio criativo e contemplativo do meu ofício, ir aonde Deus possa me ouvir e eu ouvi-Lo no ócio criativo e contemplativo do meu ofício.