O olhar da fé nos faz desapegar! 

Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora (MG) 

 

A liturgia deste 27º. Domingo do Tempo Comum propõe-nos, de novo, a reflexão sobre a nossa relação com os bens deste mundo… Convida-nos a vê-los, não como algo que nos pertence de forma exclusiva, mas como dons que Deus colocou nas nossas mãos, para que os administremos e partilhemos, com gratuidade e amor. 

No contexto do Ano Jubilar Missionário, iniciamos o mês de Outubro, interpelados pelo tema da Campanha Missionária: “A Igreja é missão”, e o lema: “Sereis minhas testemunhas”(At 1,8). Desde o nosso Batismo, já somos missionários de Jesus Cristo, mas é preciso que o Espírito Santo continuamente nos reenvie na força do seu amor. Sejamos testemunhas nos mais diversos ambientes humanos, culturais, religiosos e geográficos! 

Na primeira leitura(Hab 1,2-3;2,2-4), o profeta Amós denuncia violentamente uma classe dirigente ociosa, que vive no luxo à custa da exploração dos pobres e que não se preocupa minimamente com o sofrimento e a miséria dos humildes. O profeta anuncia que Deus não vai pactuar com esta situação, pois este sistema de egoísmo e injustiça não tem nada a ver com o projeto que Deus sonhou para os homens e para o mundo. 

O profeta dialoga com Deus, queixando-se da violência e da iniquidade contra o povo. Diante de situações de injustiça e sofrimento, nós também muitas vezes questionamos por que Deus não intervém. Ele hoje nos convida a não desanimar, mas ter fé e confiança mesmo em situações difíceis. 

O Evangelho(Lc 17,5-10) apresenta-nos, através da parábola do rico e do pobre Lázaro, uma catequese sobre a posse dos bens… Na perspectiva de Lucas, a riqueza é sempre um pecado, pois supõe a apropriação, em benefício próprio, de dons de Deus que se destinam a todos os homens… Por isso, o rico é condenado e Lázaro recompensado. 

Diante das exigências dos ensinamentos de Jesus, os discípulos pedem que lhes aumente a fé. Pensam: como poderemos seguir Jesus e viver seus ensinamentos se nossa fé é tão pequena? Com a parábola, Jesus ensina que não é necessária fé grande, mas que seja verdadeira e forte. A questão não está no tamanho e na quantidade! A fé verdadeira, mesmo se pequena, é forte suficiente para arrancar uma árvore do chão firme e plantá-la nas águas do mar. Em seguida, Jesus conta outra parábola, à primeira vista desconcertante. No entanto, mais que servos inúteis, aqueles que se colocam a serviço do Evangelho, devem se dizer servos humildes, isto é, servos que cumprem sua missão, mesmo que seja com simplicidade. Servir ao Evangelho não deve ser visto como uma relação contratual entre patrão e empregado: a tarefa é esta e o pagamento é este! Servir a Jesus e a seu Evangelho faz-se na plena gratuidade, sem espera de recompensa. Serve-se por amor. Em vez de “servos inúteis”, deveríamos ler: somos servos humildes, cumprimos nossa tarefa com simplicidade, mas cumprimos com amor e fidelidade! 

A segunda leitura(2Tm 1,6-8.13-14) não apresenta uma relação direta com o tema deste domingo… Traça o perfil do “homem de Deus”: deve ser alguém que ama os irmãos, que é paciente, que é brando, que é justo e que transmite fielmente a proposta de Jesus. Poderíamos, também, acrescentar que é alguém que não vive para si, mas que vive para partilhar tudo o que é e que tem com os irmãos? 

São Paulo faz um apelo para que as lideranças não desanimem diante das dificuldades e não se envergonhem de anunciar o Evangelho. O Espírito que recebemos no batismo nos reveste de fortaleza. A leitura nos convida a “guardar o depósito da fé” para nos esmorecermos diante dos obstáculos. O dom do Espírito Santo que habita em nós é o que fortalece nossa fé! 

Somos chamados a testemunhar nossa fé com o mesmo dinamismo dos primeiros discípulos. De nada adiantaria o “depósito da fé”, os compêndios e tratados se estes não tocassem a vida e as coisas e não se fizessem tocar o céu desde já. “Tocar” com afeto e serviço – com amor na linguagem da cabeça, do coração e das mãos. Na harmonia entre as três, o Reino de Deus acontece! 

 

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